O vinho mais premiado da Península de Setúbal foi um Moscatel Roxo com 21 anos

Por causa do Concurso de Vinhos da Península de Setúbal, aqui ficam algumas ideias daquele que é o guardião dos moscatéis mais velhos de Portugal e do mundo.

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Domingos Soares Franco é um dos guardiões desse património chamado vinho Moscatel Direitos Reservados

É tão certo como daqui a dias ser Natal. Quando se liga a Domingos Soares Franco por causa de um detalhe qualquer (neste caso, para esclarecer uma dúvida sobre um vinho feito por ele e recentemente premiado) acabamos por dar a volta ao mundo. Lança-se para a conversa a casta Moscatel Roxo e começamos a imaginar vinhas velhas na Austrália (território que compete connosco no reino dos moscatéis), a ver o Domingos enquanto aluno na Califórnia ou a tentar perceber como é que esta criatura se foi inspirar nos ice wines do Canadá para fazer um espumante inclassificável a partir de um vinho moscatel fermentado duas vezes.

E tudo acompanhado de detalhes enológicos, pequenas histórias de família e gargalhadas sonoras. Estes assuntos estão agendados para um trabalho extenso no Terroir daqui a dias porque, hoje, interessa registar que, na última edição do Concurso de Vinhos da Península de Setúbal, o Colecção Privada Moscatel Roxo Superior 2001 – Domingos Soares Franco, da José Maria da Fonseca, foi o melhor generoso do concurso e o vinho mais pontuado em termos absolutos nas diferentes categorias. O melhor tinto foi o Fontanário de Pegões Vinhas Velhas 2016 (da Adega Cooperativa Agrícola de Santo Isidro de Pegões), o melhor branco foi o Papo Amarelo Reserva 2021 (da mesma cooperativa) e o melhor rosé foi o Guitarrista, 2021, de Fernando Santana Pereira.

Os vinhos generosos Moscatel de Setúbal e Moscatel Roxo passam por uma situação bastante curiosa. De acordo com Henrique Soares, presidente da Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal, “em 2000, a região produzia um milhão de litros por ano. Em 2020, esse valor é o dobro”. É obra. A parte curiosa é que, apesar desse crescimento de produção, não vemos gente (consumidores, escanções ou donos de restaurantes) a dizer que abriu esta ou aquela colheita de Moscatel.

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O Colecção Privada Moscatel Roxo Superior 2001 – DSF, da José Maria da Fonseca, custa 40 euros

A resposta ao mistério parece ter duas diferentes variáveis: Uma, continua a vender-se muito vinho Moscatel de entrada de gama nos cafés, tascas e restaurantes na região da Península de Setúbal (para acompanhar o café); e, duas, há produtores que estão a guardar vinhos para ganharem complexidade, o que é interessante. Mas, no fim das contas, os Moscatéis datados, raros e deslumbrantes continuam a ser vinhos de nicho.

Nada disso é exclusivo do vinho Moscatel ou sequer de Portugal, visto que, em todo o mundo, os vinhos doces passam por uma crise séria de consumo. É um problema de difícil solução, mas para o qual se deve convocar para o debate inúmeros parceiros do negócio e até fora do negócio porque, no caso da região da Península de Setúbal, o vinho Moscatel é, de facto, um património com alcance internacional.

E um dos guardiões desse património é Domingos Soares Franco, que tem a seu cargo a gestão da Adega dos Teares Velhos – o espaço onde descansam alguns dos vinhos moscatéis em casco mais velhos do mundo (em casco, não em garrafas). É, por isso mesmo, o técnico ideal para falar de moscatéis.

Quando o assunto é moscatel de categoria superior, a primeira questão que Domingos gosta de realçar é a idade das vinhas e o tempo que demora até que um produtor possa lançar um vinho moscatel de grande categoria a partir do ano zero. “Muita gente esquece-se que uma vinha só está em condições de dar um grande moscatel a partir do 12.º ano de vida (isto não é como fazer um vinho tranquilo). Depois, para que o vinho tenha personalidade, o produtor terá de esperar no mínimo uns dez anos (já temos 22 anos). Mas se ele quiser algo complexo, então terá de esperar mais oito anos. E assim chegamos aos 30 anos depois de se ter iniciado o projecto. E a questão é esta: quantas empresas têm condições financeiras para esta aventura?” Pensando bem, do ponto de vista rentabilidade, e tendo em conta que estão em causa categorias especiais, não há muita diferença entre plantar cepas de moscatel ou plantar sobreiros.

Pelo meio ocorre naturalmente um processo de aprendizagem no que se refere ao estágio e às madeiras usadas. No caso dos moscatéis da José Maria da Fonseca, o enólogo estagia as mesmas bases em cascos diferentes (nunca têm menos de dez anos e não podem cheirar a carvalho) e em locais diferentes. “Eu tenho cascos que estão em caves escuras e cascos que estão em caves cujo tecto sem telhas permite a entrada de luz e calor. E quando faço lotes uso os vinhos estagiados nos dois locais”, diz-nos o enólogo que estudou na Califórnia.

Os amantes de Moscatel "do Sul" costumam dividir-se entre o Moscatel de Setúbal (menos doçura e mais acidez) e o Moscatel Roxo (bastante mais fruta e sabores mais doces). Domingos, que é responsável pela popularização do Moscatel Roxo com o seu Rosé de Moscatel Roxo, prefere esta casta por “introduzir mais complexidade, mais estrutura e mais equilíbrio nos vinhos”.

O vinho premiado no concurso — de 2001 — não foi provado por nós, mas calhou-nos abrir por estas dias uma garrafa da colheita de 2007, da mesma chancela, assim como, num almoço anual que Domingos Soares Franco costuma promover em sua casa com vários jornalistas à volta de uma famosa sopa de ervilhas, um Moscatel de Setúbal esquecido e que resulta de um lote feito com aguardentes de Cognac e Armagnac. Sobre este falaremos em breve porque terá um lançamento especial para marcar a despedida de Domingos Soares Franco da área de enologia da José Maria da Fonseca (embora a gente não acredite muito nisso); sobre o Moscatel Roxo podemos destacar o carácter intensamente floral, a fruta confitada, os produtos secos e o bom equilíbrio entre doçura e acidez.

A Península de Setúbal tem pequenos terroirs para determinadas castas (Castelão ou Fernão Pires) e por isso continuaremos a falar dos vinhos que se distinguem, com destaque para a performance de Jaime Quendera na Casa Ermelinda de Freitas e na Cooperativa Agrícola de Santo Isidro de Pegões na última edição do Concurso de Vinhos da Península de Setúbal. Hoje só queremos chamar a atenção dos leitores para os moscatéis de Setúbal, que bem merecem uma oportunidade à mesa nos dias de festa que se avizinham.

O Colecção Privada Moscatel Roxo Superior 2001 – DSF, da José Maria da Fonseca, foi o vinho mais pontuado no concurso custa cerca de 40 euros.

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