Os croatas eram favoritos e o Brasil não percebeu

É assim sempre que o Brasil entra em campo em Mundiais: é o favorito. Para os brasileiros – que acham sempre que será um passeio até à final – e para os amantes do futebol no planeta, que acham sempre que a equipa com os melhores jogadores, com mais talento para jogar à bola, acaba sempre por ganhar.

Mas se já se quebrou a grande regra de que o futebol são 11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha, ninguém se lembra que o Brasil não ganha nada desde 2002 e, desde aí, tirando o Mundial em casa em que chegou às meias-finais (mas perdeu 7-1 com a Alemanha), ficou-se sempre pelos quartos-de-final. Desta vez, voltou a ser assim.

Ou seja, todo o entusiasmo em relação ao Brasil, assenta num passado glorioso que distrai do presente sofrível. O certo é que nos últimos 20 anos, os brasileiros nunca conseguiram nada que justifique os píncaros de entusiasmo cada vez que se aproxima um Mundial, nem a profunda depressão quando os resultados não correspondem ao grau de euforia.

O Brasil pode ser a selecção que melhor futebol pratica, mas nem sempre quem tem o melhor futebol, ganha. Veja-se a "canarinha" de 1982 vergada pela capacidade de resistência italiana e o hat-trick de Paolo Rossi (as minhas primeiras memórias de um Mundial e como me entristeceu que Sócrates não tivesse chegado mais longe). E as últimas décadas seriam razão suficiente para assumir este jogo contra a Croácia de outra maneira.

Em primeiro, porque o Brasil chegava aos quartos-de-final, que têm sido nas últimas duas décadas a sua barreira de som e a "canarinha" tem tido problemas a superar os seus problemas com o Mach-1.

Em segundo, porque toda a gente se esqueceu que do outro lado estava a Croácia. Uma selecção que é mais que as suas camisolas axadrezadas. É a vice-campeã do mundo, liderada por um capitão que foi Bola de Ouro em 2018 e, ao contrário do que se poderia pensar, ainda continua, aos 37 anos, senhor das suas extraordinárias capacidades futebolísticas.

A derrota começou a desenhar-se aí para os brasileiros, no acreditar que o sorteio lhes havia posto uma porta aberta para as meias-finais e que só faltava fintar o porteiro croata. O golo de Neymar no prolongamento permitiu o suspiro de alívio para os que não acreditavam noutro resultado (chegava tarde, mas vinha apenas confirmar o prognosticado); o empate de Petkovic a três minutos do fim veio como demonstração: ninguém é vice-campeão mundial sem qualidades.

Quando chegaram aos penáltis, os brasileiros estavam azamboados pela realidade; os croatas mantinham-se croatas, crentes em si próprios, sólidos, lutadores, concentrados, focados e inspirados por um grandessíssimo capitão.

Em relação aos brasileiros, os portugueses têm uma enorme vantagem para enfrentar os croatas (se ambos conseguirem superar os seus adversários até chegar à final), é que nesse caso a Croácia é forçosamente a favorita: estará na segunda final consecutiva do Mundial e é a última oportunidade para Modric ganhar um grande título de selecções. E Portugal gosta mesmo é de ser o underdog.

Nota do autor: numa primeira versão este texto dava a Croácia como tendo sido vice-campeã europeia, o que até poderia ter acontecido se os croatas tivessem conseguido aguentar até aos penáltis na partida contra a Espanha, em que estavam a perder por 3-1 a cinco minutos dos 90 e ainda foram empatar, mas acabaram derrotados por 5-3 no prolongamento. O essencial da tese (a sobranceria brasileira e a capacidade de luta croata) não se perde, mas a verdade é que os combativos croatas ficaram-se pelos oitavos de final no Euro 2020, disputado o ano passado por causa da pandemia. A escrita de um fôlego leva a memória a induzir-nos em erro - a minha desculpa aos leitores.

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