Troca de troleicarros por autocarros a diesel no Porto foi erro ambiental

Rede de troleicarros que existia no Porto até ao fim dos anos 90 era mais amiga do ambiente. Retirá-la foi uma “péssima decisão”, diz autor de vários estudos sobre qualidade do ar

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Autocarros eléctricos eram melhores para o ambiente, defende professor universitário especialista em poluição do ar Rita Franca

O professor universitário Nélson Barros, autor de vários estudos sobre a qualidade do ar, defendeu que a passagem dos troleicarros para o diesel no Porto foi um erro ambiental, a propósito dos 20 anos de operação do metro.

“O Porto era uma das cidades mais eléctricas, em termos de mobilidade, até ao final dos anos 90. Nós tínhamos uma rede de troleicarros que cobria a cidade toda, chegava a Ermesinde [Valongo], chegava a Santo Ovídio [Gaia]”, recordou o professor da Universidade Fernando Pessoa (Porto) à Lusa.

Falando a propósito dos 20 anos da operação comercial do Metro do Porto, que se celebram na quarta-feira, o docente recordou que o Porto já teve “algumas convulsões em termos de mobilidade”, mas “as pessoas já se esqueceram”, como na questão dos troleicarros.

“Tínhamos uma rede de transportes públicos eléctrica, silenciosa, que não emitia [gases]. Deitámos isso tudo fora e pusemos autocarros a diesel”, disse à Lusa.

Para Nélson Barros, “teria sido muito melhor” se, quando se fez a transição, “ela não tivesse passado pela passagem no diesel, mas pela introdução do metro”.

“Evidentemente que podíamos estar aqui a discutir sobre as necessidades de manutenção do sistema, que era um sistema já de 1959 e que precisava de muitos investimentos”, mas, olhando apenas para o aspecto ambiental, “é óbvio que foi uma péssima decisão”.

O académico recordou ainda que “havia 150 quilómetros de linhas de eléctrico” que foram arrancadas e poderiam complementar os troleicarros, e que hoje se tornaram “uma coisa residual mais ou menos turística”.

Depois dessa fase “veio o metro”, que foi “a revolução total”, e “sem o qual estaríamos muito pior, de certeza absoluta”, em termos ambientais, defendeu.

“Não há dúvida nenhuma que o metro trouxe aquilo que os autocarros não têm, que é a tal fiabilidade”, adicionou.

Nelson Barros coordenou, por exemplo, o estudo “Impacte do tráfego rodoviário nas emissões da cidade do Porto” e participou no projeto CiViTAS ELAN - Testar estratégias inovadoras para transportes urbanos limpos, que envolveu a Metro do Porto e a Sociedade de Transportes Coletivos do Porto (STCP).

Número de carros duplicou

Nos anos 90 havia “muitos problemas sob o ponto de vista da degradação da qualidade do ar por via do tráfego rodoviário”, tanto porque os motores doe veículos não tinham catalisador e eram “muito mais poluentes do ponto de vista de emissões”, mas também porque o que foi melhorado “em termos de atenuação de emissões dos veículos”, com o progresso tecnológico, foi sendo perdido “em número” de carros.

“Nos anos 90 nós tínhamos um parque rodoviário nacional à volta de um milhão e meio de carros. Hoje temos três milhões e tal, duplicou”, disse.

Se o número de carros a emitir gases “obviamente atenuou” com a chegada do metro ao Porto, ainda há “um longo caminho a percorrer em termos de tentar diminuir o transporte rodoviário dentro da cidade”.

Transportes gratuitos

“As pessoas gostam muito de ambiente, mas também gostam muito de fazer contas. E se nós não conseguirmos convencer as pessoas de que há ganhos ambientais mas também há ganhos económicos, vamos ter muita dificuldade em trazer as pessoas para o transporte público”, reconhece.

Assim, é necessário “adequar as necessidades das pessoas àquilo que é a sua mobilidade”, já que se se tentar “impor a mobilidade às pessoas elas não vão aderir só porque sim”.

“Ganharíamos muitíssimo se, tendencialmente, o transporte público fosse gratuito. Este é um aspecto chave”, advogou.

Para mudar mentalidades, defende uma “verdadeira educação para a mobilidade desde tenra idade, porque depois são as próprias crianças a pressionar os pais em casa”.

Sob o ponto de vista da qualidade do ar, Nélson Barros separa o impacto do CO2 (dióxido de carbono), gás de efeito de estufa não poluente no exterior mas prejudicial ao ambiente, de outros gases activamente poluentes.

“No ar exterior, em meio urbano, essencialmente aqui na cidade do Porto, a nossa preocupação é o NO2 [dióxido de azoto] e as partículas”, disse à Lusa, recordando que, já num estudo feito em meados dos anos 2000, os valores em redor da Via de Cintura Interna (VCI) excediam o limite de 40 microgramas por metro cúbico.

Nélson Barros recordou que “em 2021 a OMS [Organização Mundial de Saúde] baixou esse valor para 10 microgramas por metro cúbico”.

O académico ilustrou a situação assinalando que “quem vive junto a essas zonas, quem vai ventilar o seu espaço, quando abre a janela, o ar que vem de fora é um ar contaminado”.

Actualmente, sem querer adiantar números, disse à Lusa que “os valores de NO2 são preocupantes, os valores de partículas são preocupantes”, e que é necessário “baixar as emissões daquilo que é o transporte rodoviário, da combustão interna, basicamente”.

O académico referiu ainda o contributo dos transportes logísticos para esse tipo de poluição, defendendo que o que há a fazer é “usar os meios pesados até à envolvente na cidade, e depois usar elementos ligeiros, tendencialmente eléctricos, para fazer o porta a porta”.

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