Málaga, além de Picasso

A leitora Maria Goreti Catorze partilha a sua experiência na cidade espanhola, entre praças floridas, vistas de mar e exposições de Picasso e Paula Rego.

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Málaga MARIA GORETI CATORZE

Málaga é uma cidade do Sul de Espanha, conhecida essencialmente por quatro razões: pela proximidade com as praias da Costa del Sol (como Fuengirola, Torremolinos ou Marbella), por ser a terra de António Banderas e de Picasso e pelas festividades da Semana Santa.

Estive lá no início de Junho sem demasiada expectativa: não sou fã de praias nem do António Banderas, não estávamos na Semana Santa e Picasso inventou o cubismo noutras paragens. O que esperar então de Málaga? A primeira impressão é agradável. Trata-se de uma cidade calma, plana, de clima ameno, situada entre as montanhas e o mar. Este avista-se do Castelo de Gibralfaro e tem o tom intenso que deu origem ao nome “azul mediterrâneo”.

Abaixo do castelo está a Alcazaba, uma fortificação árabe, espécie de Alhambra de menor dimensão, sobranceira ao belo teatro romano. Ali próximo ergue-se a imponente catedral ecléctica (gótica/renascentista/barroca) que já foi mesquita. Vale a pena subir ao terraço porque tem uma vista deslumbrante sobre a cidade e os arredores. Aviso que tem uma única torre, a torre sul ficou inacabada.

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Málaga Maria Goreti Catorze

A praça mais bonita de Málaga chama-se Plaza de la Merced. No final da Primavera enche-se da beleza dos jacarandás e das albizias em flor. Quase nos sentimos em Lisboa, no Largo Vitorino Damásio, onde abundam estas bonitas árvores. Quando visitamos los vecinos (afinal temos um único país vizinho... ) estabelecemos inevitáveis comparações. Numa das esquinas da dita praça situa-se a casa natal de Picasso, agora transformada em casa-museu. Tem sobretudo quadros naturalistas pintados pelo pai do pintor.

Vale a pena visitar o Museu Carmen-Bornemiza com a sua vasta colecção de quadros andaluzes de cariz etnográfico, o centro de arte contemporânea no edifício de um antigo mercado e o centro Pompidou na orla marítima. Aqui as salas são subterrâneas, numa arquitectura que me lembra o nosso MAAT. Mas tem uma inigualável clarabóia exterior em forma de cubo colorido, um daqueles pormenores arquitectónicos que rapidamente se tornam ex-líbris das cidades.

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É imprescindível passear à sombra dos ficus centenários da Alameda Principal, árvores muito amadas pelos malaguenhos. Mas são as bisnagueras, com o seu aroma penetrante, as flores (brancas) típicas de Málaga. Vi-as na bandeja de um vendedor que as anunciava como as primeiras da temporada.

Deixei para o fim o Museu Picasso, o mais visitado de todos porque o malaguenho mais famoso de Espanha atrai multidões. Afinal, Picasso é um nome poderoso. Entremos então no museu. Tem apenas obras menores, os quadros famosos não estão ali. Mas há uma exposição temporária que nos interessa. É da pintora portuguesa Paula Rego. Somos portugueses, não queremos ficar mal-vistos no país vizinho. A exposição veio da Tate Britain.

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Avançamos expectantes, não vá a selecção desiludir. O primeiro quadro é Salazar vomitando a pátria, um murro no estômago do Portugal dos anos de 1960, marco importante da arte contemporânea em Portugal. Olho à volta para os outros visitantes, tenho curiosidade de ver como reagem. Estão em silêncio, impressionados, é impossível ficar indiferente perante aquelas pessoas-monstros, tão grandes e tão expressivas, ali reunidas, saídas das histórias, da cabeça e das mãos da Paula Rego. São histórias do mundo, porque também ela é uma pintora poderosa, fica bem ali ao lado de Picasso. Enriquece o museu. Quanto a Málaga, saiu de si própria, já não é só andaluza, é cosmopolita, porque ao lado do seu genial pintor colocou (mesmo que por pouco tempo), outra pintora extraordinária.

P.S. Paula Rego faleceu dias depois. Os monstros continuam nas nossas cabeças.

Maria Goreti Catorze

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