Os avanços tecnológicos dos últimos anos têm dado azo a conversas sobre o futuro do automóvel  ou, até, sobre se o automóvel tem futuro. 

Os cenários são vários. Carros eléctricos, finalmente com toda a autonomia que os consumidores pretendem. Modelos repletos de sensores, câmaras e ecrãs. Veículos conectados, capazes de ler informação directamente de outros carros ou das estradas. Automóveis autónomos, transformados em escritórios ou salas de estar móveis. Frotas de carros-robô ao nosso dispor numa aplicação (era uma ideia de Elon Musk para aproveitar o tempo que os donos dos Tesla têm os carros parados). O fim da condução e do automóvel particular. Carros voadores (é a segunda vez consecutiva nesta newsletter que se mencionam carros voadores; a responsabilidade é da ficção científica dos anos 80 e 90). 

Quase todos os cenários acima são, pelo menos, concebíveis, com diferentes graus de probabilidade. As excepções serão a massificação dos carros voadores (apesar dos esforços da Uber) e o fim dos automóveis particulares (em Portugal, o uso do carro até tem vindo a aumentar, revelaram há dias os resultados dos censos; o carro é a opção de 66% das pessoas para a deslocação casa-trabalho, ao passo que o recurso aos transportes públicos caiu).

Há, contudo, uma outra inovação nos automóveis modernos: extras por subscrição.

Uma das mais recentes incursões neste território veio da Mercedes, no final da semana passada. Por 1200 dólares por ano mais impostos (sensivelmente o mesmo em euros), a marca alemã vai permitir aos proprietários de alguns modelos usufruírem de capacidade de aceleração extra. Haverá quem ache a quantia razoável para poder poupar cerca de um segundo na aceleração dos zero aos 100. A funcionalidade foi anunciada apenas para clientes nos EUA e para os modelos eléctricos da gama EQ.

Em Julho, tinha sido a BMW, outra marca alemã, a avançar com a possibilidade de subscrição mensal de assentos aquecidos (custam cerca de 14 euros por mês) num conjunto restrito de países. A marca, aliás, tem uma panóplia de extras que podem ser comprados e activados à distância, muitos deles num modelo de pagamento periódico. 

Já no final do ano passado, a possibilidade de fazer a ignição de um Toyota à distância, através do comando integrado na chave, passou a fazer parte de um pacote de assinatura, que inclui serviços de assistência remota e funcionalidades de navegação na aplicação da marca. Depois de protestos dos clientes, que até aí tinham a funcionalidade gratuitamente, a fabricante japonesa acabou por dizer que se tinha tratado de um engano. 

A Tesla também já há algum tempo que vende num modelo de subscrição mensal as funcionalidades do seu "piloto automático". Há muitos exemplos semelhantes em muitas outras marcas.

Dada a quantidade de extras com que é possível equipar mesmo os carros mais utilitários, abre-se um novo modelo de negócio. Quer ar condicionado? Paga uma mensalidade por isso. Prefere cortar custos e aguentar o calor? Cancela a mensalidade. Vai fazer uma viagem de vários dias de auto-estrada? Talvez valha a pena pagar um mês de cruise control. Regressou ao pára-arranca da cidade? O dinheiro pode ser mais bem empregue na caixa automática. 

A tecnologia existe, o limite é a imaginação – e a quantidade de equipamento que os fabricantes conseguirem pôr nos carros sem perderem as margens.

É interessante pensar nas contas que estarão a fazer. Por um lado, para poderem vender uma actualização de software que torne o carro mais rápido ou que permita aquecer os assentos, todo o equipamento já tem de existir no veículo vendido. Isto acarreta custos, mas estes custos poderão ser minimizados (ou compensados) pela possibilidade de fabricar carros com menos variações.

Por outro lado (e como bem sabem os serviços de streaming ou os jornais), um modelo de assinatura pode ser muito irregular. Um aperto na economia e, de repente, os ecrãs nos bancos traseiros tornam-se uma despesa fácil de cortar.

As marcas de automóveis pensaram de certeza em tudo isto e muito mais, terão os seus modelos de negócio bem recheados de variáveis e parecem entusiamadas. O grupo Stellantis (dono de marcas como a Fiat, Citroën e Peugeot, entre outras) antecipa que num horizonte de mais dois anos todos os seus automóveis vão estar equipados para receber actualizações via Internet. 

O entusiasmo dos consumidores pode ser outra história. Um pequeno inquérito feito nos EUA indicou que os proprietários de automóveis detestam a ideia. O caso das chaves dos Toyota, por exemplo, levou proprietários a questionarem se os carros eram mesmo deles. Afinal, bastou a marca querer e, à distância, cortou a ligação entre a chave e o veículo.

Os carros são um tipo especial de objecto. Como qualquer departamento de marketing de uma marca não se cansará de repetir, podem significar emancipação, liberdade, conforto, estatuto e auto-identidade. Este artigo científico argumenta até que os humanos têm uma ligação territorial aos seus carros, encarando-os como um território privado (o que, dizem as investigadoras, ajuda a explicar a agressividade de quem vai ao volante; é a tensão de defender um espaço privado dentro do espaço público que são as estradas).

Por si, nada disto torna o modelo de extras por subscrição inviável. Também os telemóveis são um tipo especial de objecto (em parte, por razões semelhantes aos carros) e quase todos aceitamos sem pestanejar um grande nível de interferência das empresas. Basta uma actualização do sistema operativo e o telemóvel deixa de funcionar da mesma forma que funcionava quando saiu da loja. Às vezes, a mudança é para pior. 

De todos os futuros imaginados para o automóvel, a ideia de proprietários enredados em serviços por subscrição é talvez a menos apelativa. Mas não é a mais improvável.