Que futebol queremos?

A atitude da FIFA em punir as selecções que apenas querem mostrar apoio a uma minoria historicamente ostracizada é um retrocesso difícil de quantificar – mas a punição é clara, objectiva, cruel.

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EPA/LAURENT GILLIERON

Antes de abordar o principal tema deste texto, é importante revelar quem somos e por que razão esta questão nos é especialmente sensível.

Somos duas equipas de futsal e futebol, de carácter inclusivo, com sede no Porto – Douro Bats – e em Lisboa – Lisbon Foxes. Fomos e somos associações desportivas com foco especial na comunidade LGBTQIA+, embora isso nunca pudesse ser condição estritamente necessária para fazer parte. Recebemos e acolhemos de braços abertos todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual, identidade de género, qualidade competitiva, forma de estar ou maneira de ser.

Teve início esta semana a mais importante competição futebolística do mundo, tradicionalmente marcada pelo espírito de alegria, união dos povos, comunhão e pelo poder de unir cada nação independentemente das diferenças. Apesar de o Campeonato do Mundo trazer esta imensidão de emoções e confraternização, infelizmente a este desporto estão também vinculadas uma série de discriminações. É repetitivo, mas crucial, voltar a expor como o mundo do futebol está cercado e amordaçado pela cultura do homem marcadamente masculino e insensivelmente normativo.

Este ano o país escolhido foi o Qatar, um país que perpetua esta visão discriminatória da sociedade. Este mundial tem sido especialmente rico em polémicas de atropelos aos direitos humanos, desde a descrita tolerabilidade às horas sob calor baseada em tom de pele, à recusa em investigações independentes ao excesso de mortalidade na construção das infra-estruturas, até à clara contribuição para uma espécie de elitismo futebolístico.

Desde a divulgação que é sabido que, devido às políticas aí vigentes, as mulheres e a população LGBTQIA+ que tivessem interesse em acompanhar este evento teriam de fazer concessões para tal. Entretanto, esperava-se que a FIFA como instituição principal conseguisse garantir alguns dos direitos humanos básicos a estas populações. E é aqui que entra o ponto-chave deste artigo. Foi anunciado pela FIFA que os capitães que usarem braçadeira com arco-íris, um manifesto à inclusão com especial foco na comunidade LGBTQIA+, serão punidos com (pelo menos) um cartão amarelo. Este acto condiciona sobremaneira os progressos feitos na não-discriminação, reforçando a actual cultura injusta e dicotómica de quase obrigar o atleta a escolher entre viver livremente a sua sexualidade, de ser quem é, ou, por outro lado, ter uma carreira sem percalços.

É fantasioso pensar que, entre os cerca de 800 jogadores, nenhum deles terá sua sexualidade incluída na comunidade LGBTQIA+. O que aconteceria se jogadores no activo e abertamente homossexuais, como Josh Cavallo, fossem convocados para as respectivas selecções? Em que circunstância este mundial poderá dar a alguma jogador a confiança para assumir quem realmente é?

A atitude da FIFA em punir as selecções que apenas querem mostrar apoio a uma minoria historicamente ostracizada é um retrocesso difícil de quantificar – mas a punição é clara, objectiva, cruel. Esse não é o futebol que os Douro Bats e os Lisbon Foxes querem. Associações desportivas como as nossas lutam diariamente para que o futebol seja um campo aberto a todos, reapresentando o futebol e permitindo acesso àqueles que dele sempre se sentiram excluídos, tais como a população LGBTQIA+, num ambiente de compreensão e amor.

Repudiamos acções que propagam o fortalecimento das discriminações. Este mundial não é o futebol. Nós somos, todos.

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