COP27: uma janela abriu, mas a que custo?

A COP27 falou dos sintomas da crise climática, mas não tanto das suas causas. A melhor forma de prevenir perdas e danos é parando de queimar combustíveis fósseis.

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Cop27 Reuters/MOHAMED ABD EL GHANY

Depois de longas horas de negociações, que duraram até às 6h de domingo, terminou mais uma COP. A Cimeira do Clima das Nações Unidas deste ano trouxe-nos uma pequena vitória sobre perdas e danos, mas as usuais palavras vazias e vagas sobre combustíveis fósseis e os 1,5 ºC.

“Esta será uma COP de implementação”, era o que se ouvia por aí. O sistema da COP faz-nos pensar que não há outra alternativa para implementar a mudança, que ou são estas mudanças lentas e discussões demoradas ou nada. É um processo que nos traz ao resultado deste ano: estabelecer-se-á um fundo para perdas e danos, mas não se acabará com a era dos combustíveis fósseis.

Lembremo-nos que não podemos negociar com a natureza, e a natureza não nos dá opção de escolher um ou outro. Se a indústria fóssil não for desmantelada, não haverá quantidade de dinheiro suficiente para cobrir os custos e compensações de perdas e danos resultantes. É tão simples quanto isto.

Mas falemos sobre a nossa pequena vitória. Graças a esforços incansáveis de activistas, da sociedade civil, das comunidades na linha da frente e dos países mais vulneráveis (nomeadamente das ilhas), que não aceitaram um não como resposta, da COP27 saiu o compromisso de se criar um fundo para apoiar as comunidades mais afectadas pela crise climática. Foi fruto de trabalho, de activismo e de pressão política que não deu o braço a torcer.

Este fundo de compensação refere-se àquilo para que já não há adaptação possível. Comunidades destruídas que precisam de ajudas para alimentação e habitação, vidas perdidas, famílias que ficam sem nada. O dinheiro tem de chegar às pessoas, e não apenas aos governos.

Para já, não é mais do que um fundo vazio. Resta o mais importante: a sua implementação, e que esta seja feita de uma forma justa. Os próximos meses serão cruciais para definir como funcionará a sua operacionalização.

A COP27 falou dos sintomas da crise climática, mas não tanto das suas causas. Não nos percamos nas longas negociações e palavras complexas: a melhor forma de prevenir perdas e danos é parando de queimar combustíveis fósseis. E a ausência de decisão no que toca à indústria fóssil é uma contradição directa da meta de ficar abaixo dos 1,5 °C.

Apesar da pressão existente para determinar um fim à dependência dos combustíveis fósseis, um exército de 636 lobbyistas e delegados dessa mesma indústria esteve presente para garantir que o necessário não acontecia. Como resultado, e em oposição ao que toda a sociedade civil e vários governos têm vindo a reivindicar, a “redução gradual” do carvão está novamente no texto, e nem há referência a uma redução de outros combustíveis fósseis. Sem o fim dos fósseis, o fundo conseguido não é mais do que um penso rápido numa ferida cada vez mais funda.

Na verdade, não houve muitos avanços em relação à COP26, em Glasgow.

Mas há uma luz de esperança presente: ao longo das duas semanas, houve cerca de 75 protestos dentro da Cimeira, co-criados pela sociedade civil, pelo movimento por justiça climática e social, por jovens activistas, por diferentes organizações. As nossas exigências foram discutidas e coordenadas sob uma perspectiva interseccional, e as nossas vozes ergueram-se sobre diversos assuntos, sendo possível destacar perdas e danos, 1,5 ºC, combustíveis fósseis e, transversal a tudo, direitos humanos.

Na COP27, dentro das salas, vemos decisores políticos a negociar em nome das comunidades que exploram. Vemos os países mais vulneráveis, nomeadamente as ilhas, a serem ignorados. Mas lá fora, temos uma lufada de ar fresco. Activistas que, todos os dias, estão presentes e protestam. Activistas que trazem sorrisos e coragem para os corredores frios e desconfortáveis onde delegados da indústria fóssil passeiam. Activistas que se consolam uns aos outros e trocam abraços, mesmo não sabendo os respectivos nomes. Porque há algo que nos liga: a luta por Justiça Climática; e o amor, comunidade, solidariedade que vem com ela. A verdadeira mudança está em nós, na nossa coragem e na nossa acção colectiva. Porque tal como se ecoava por todo o perímetro da COP27: “We are not defeated, and we will never be.” (não fomos derrotados, e nunca seremos).

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