O Conselho Nacional da Água e a sua capacidade de intervenção

Um órgão consultivo deve discutir as soluções disponíveis e exequíveis e avaliar se são ambiental, económica e socialmente aceitáveis, sem se deixar capturar por modas, interesses ou ideias feitas.

A última reunião do Conselho Nacional da Água (CNA) deu, recentemente, origem a várias notícias e opiniões que nem sempre terão contribuído com achegas positivas para o tratamento responsável de questões de grande complexidade como são aquelas que a adequada gestão dos recursos hídricos nacionais coloca. O CNA foi criado pelo Decreto-Lei nº 45/94 de 22 de Fevereiro como órgão consultivo independente para o planeamento nacional no domínio dos recursos hídricos (cuja estrutura, competências e regime de funcionamento foram aperfeiçoados por diplomas posteriores).

Corporizou uma tendência internacional sobre modelos de governação em que se pugnava pela introdução de mecanismos de participação na definição de orientações estratégicas para a concepção e implementação de políticas públicas. Ficou, então, consagrado como “fórum de discussão alargada da política de gestão sustentável dos recursos hídricos nacionais, numa perspectiva ecossistémica e de integração dos interesses sectoriais e territoriais”. Nestes termos, é claro que não está previsto serem tomadas decisões neste órgão.

Assim aconteceu mais uma vez nesta última reunião, que pecou por tardia dada a grave situação de escassez de água que tem vindo a verificar-se (aqui honra seja feita ao atual Ministro do Ambiente que a convocou). Todos os conselheiros tiveram oportunidade de manifestar as suas opiniões, cobrindo um largo espectro de temáticas (da implementação de processos de dessalinização e reutilização de águas tratadas até à construção de novas barragens ou aumento de capacidade das existentes, passando por aspectos de organização da administração ou processos metodológicos de análise da informação existente), não se privilegiando nenhuma opção para as soluções a tomar como chegou a ser noticiado.

Ainda bem que assim sucedeu, pois um órgão consultivo deve ser capaz de trazer à discussão as várias soluções disponíveis e exequíveis que possam vir a ser avaliadas para se verificar se são ambiental, económica e socialmente aceitáveis, não se deixando capturar por modas, interesses particulares ou ideias feitas prontas a usar sem serem alvo de qualquer tipo de análise.

Criar sistematicamente um ruído de fundo quando se está perante decisões em conjunturas tão complexas e incertas em nada favorece a transparência, serenidade e integração de todo o conhecimento disponível tão necessário à resolução dos difíceis e graves problemas que enfrentamos. Há crescentes tensões entre os diferentes usos da água e entre os objetivos de proteção do recurso e do ambiente, não podendo ser esquecidas as outras políticas sectoriais que com eles possam contender.

A definição de estratégias e planos para ultrapassar tais situações tem de contar com a complexidade dos sistemas naturais e humanos e com as suas interações, em particular quando estão em causa processos de decisão num contexto de grande incerteza para a gestão dos recursos hídricos e das infraestruturas que os possam mobilizar e simultaneamente proteger. Decidir agora, num presente que já foi futuro, o futuro daqueles que virão depois de nós é uma tarefa de enorme responsabilidade. De facto, o futuro que estaremos agora a formatar envolve uma miríade de incertezas relacionadas e não relacionadas com o clima, o que impõe quadros de decisão integradores e abrangentes (incluindo múltiplos processos institucionais, políticos, sociais, económicos, biofísicos, etc.).

É relevante ter em linha de conta que as decisões tomadas hoje têm de “antecipar” possíveis alterações nas condições de trabalho futuras. Não é por acaso que os termos “múltiplos futuros plausíveis”, “incerteza profunda” ou “engenharia da adaptação” emergiram em toda a literatura que se preocupa com soluções robustas e resilientes para cenários futuros. A definição de cenários futuros é em si mesma alvo de profundo questionamento. Com efeito, as abordagens estatísticas até aqui usadas, considerando probabilidades associadas a eventos futuros baseadas nas séries históricas hoje existentes, têm vindo a ser amplamente debatidas.

Teremos de passar de uma análise da incerteza estatística a uma análise de incerteza em cenários futuros. É, pois, aconselhável desenvolver soluções faseadas e flexíveis capazes de se adaptar à medida que nova informação venha a tornar-se disponível. A adaptação poderá acontecer num contexto de aumento da procura, crescimentos assimétricos da população (interior versus litoral ou norte versus sul), concentração urbana, maior escassez de recursos, desenvolvimento económico agressivo, novas formas de produção de energia e diferentes práticas agrícolas, assegurando caudais ecológicos e outros usos ambientais legitimados para a proteção dos serviços ecossistémicos.

Uma resposta sustentável tem de ser económica, ambiental e socialmente aceitável no longo prazo, mas simultaneamente tem de ser robusta funcionando satisfatoriamente num largo espectro de possíveis situações futuras.

A sustentabilidade dos sistemas ambientais depende fortemente da forma como soubermos adaptar-nos em termos de infraestruturas e gestão dos recursos e como respondermos ao efeito combinado dos desenvolvimentos ambientais e sociais. É, também por isso, fundamental a participação das partes interessadas. A convergência do conhecimento proveniente de várias áreas do saber e uma análise das diferentes opções disponíveis, dos seus impactos positivos ou negativos, à luz de critérios definidos adequadamente, permitirá criar um quadro que favorecerá uma decisão mais informada.

Tudo isto salienta a importância de o Conselho Nacional da Água ser ouvido regularmente por quem tem de propor políticas públicas e criar os mecanismos institucionais para a sua execução. De facto, a pluralidade de vivências e formações que caracteriza os vogais do CNA constituem uma mais valia que seria fundamental aproveitar. Por isso, lamenta-se que nos últimos anos pouco uso tenha sido dado a esse manancial de competências pela raridade da ocorrência das reuniões do CNA.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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