Educação – um paciente português à porta dos cuidados intensivos

Não me parece que a solução para a falta de professores passe por colocar licenciados sem a devida preparação pedagógica a colmatar os erros passados de sucessivos governos (como têm feito alguns países do sul da Europa).

O ano de 2022 veio revelar um SNS nos cuidados intensivos e a necessitar de uma significativa intervenção em toda a linha, mas também tornou visível um sistema de educação nos cuidados intermédios, especialmente por via da sua debilidade com maior impacto social – a falta crónica de professores.

Entramos na terceira década do século XXI com o sistema de educação à beira da rutura. Os sucessivos governos de Portugal apenas têm colocado pensos em patologias que necessitam de uma intervenção profunda, e agora que o paciente está com indicadores de sobrevivência cada vez mais frágeis, o atual Governo surge com uma medida de curto prazo desnorteada, pois não se encontra enquadrada num plano de intervenção mais aprofundado e global.

O Despacho n.º 10914-A/2022, publicado pelo Gabinete do Secretário de Estado da Educação a 8 de setembro de 2022, na 2.ª série do Diário da República, não apresenta soluções de longo prazo e globais. Em seu lugar, apresenta um paliativo para aplicação no ano letivo 2022-2023 que desqualifica o ensino e a carreira docente, sem resolver o problema na sua génese.

Diz-nos o Pordata que há cerca de duas décadas (em 2005) Portugal tinha mais de 185 mil professores no ativo. Atualmente, fruto da natural evolução geracional, do envelhecimento da classe docente, das reformas antecipadas, dos docentes que solicitam não desempenhar funções docentes (pelas mais variadas razões), temos apenas cerca de 147 mil professores. Estamos a falar numa redução de quase 40 mil professores em cerca de 20 anos. Acresce a esta absurda redução – sobre a qual não foi tomada nenhuma medida ativa capaz de resolver tal erosão de profissionais – que nos próximos cinco anos 20% dos professores no ativo vão reformar-se. E se pensarmos a dez anos, porque a Educação não pode ser planificada anualmente ou quinquenalmente, prevê-se que 58% dos professores no ativo vão reformar-se. Estamos perante um dos maiores desafios da sustentabilidade do sistema educativo nacional que não pode ser resolvido com a diminuição da qualidade formativa dos professores, nem à custa das aprendizagens dos estudantes.

É claro que nada disto é novidade para a tutela. Os sucessivos governos de Portugal têm ignorado este problema da crescente falta de professores, não tomando as medidas necessárias para que a Educação não chegasse ao estado de enfermidade em que se encontra. Agora que o doente está prestes a dar entrada nos cuidados intensivos, querem atenuar as suas debilidades com medidas de curta duração que nada resolvem e apenas mascaram os sintomas da doença, por um curtíssimo espaço de tempo.

De acordo com um estudo académico independente, até ao ano letivo de 2030/2031, Portugal necessitará de mais 34 mil professores. Fica a questão: como resolver no curto e médio prazo?

Não me parece que a solução passe por colocar licenciados sem a devida preparação pedagógica a colmatar os erros passados de sucessivos governos (como têm feito alguns países do sul da Europa). Tentar resolver a situação no imediato por esta via compromete a qualidade do ensino e a formação dos nossos jovens. Qualquer solução que passe pela resolução do tempo e da qualidade da formação dos professores é um enorme retrocesso civilizacional que comprometerá gravemente o futuro do país.

Se temos um bom modelo de formação de professores, com provas dadas e que colhe o reconhecimento geral, não queiramos enfrentar o problema da falta de formação destruindo um conceito bem-sucedido. Pelo contrário, a resolução desta enfermidade apenas tem uma solução consistente (ainda que tenha de ser complementada por outras políticas coadjuvantes que a sustentem), que terá de ter uma aplicabilidade a 20 anos, sem estar ao sabor dos ciclos eleitorais. Julgo que é muito claro, para todos aqueles que pensam sobre a educação e a sua sustentabilidade a médio e a longo prazo, que a solução passa por um significativo investimento na formação de professores, complementada pela necessária valorização profissional e de carreiras, para que ser professor volte a ser olhado pela sociedade como uma profissão atrativa e com o grande valor social que tem. De outro modo, resta o caos e o ensino sem qualidade, pois no espaço de uma década Portugal terá o sistema em rutura completa, pela ausência de professores; e, mais que isso, sem professores altamente qualificados e vocacionados para a função.

Do meu ponto de vista, e como primeira medida, o Governo deveria ter promovido um trabalho em estreita ligação com a academia, no sentido de duplicar – já neste ano letivo – as vagas para a formação de professores no ensino superior, público e privado. Porque este é um desígnio nacional que não pode esperar, pois está em causa a formação de milhares de crianças e jovens de todos os ciclos do ensino básico e secundário, é também importante criar medidas de acesso complementares direcionadas para os ciclos de estudo que habilitam para a docência, por forma a atrair mais jovens para estas formações superiores. Esta é uma urgência que não pode aguardar por novos estudos ou ciclos eleitorais, pois se atualmente apenas conseguimos formar 1500 professores por ano, necessitamos de mais de 20 anos para diplomar os professores necessários daqui a 10 anos – reforço que daqui a uma década vamos necessitar de mais de 34.000 professores.

É por isso que a medida mínima e imediata que a tutela deve tomar passa por duplicar as vagas no ensino superior, público e privado, com vista a colmatar esta tragédia nacional e não matar o doente por falta assistência. Haja coragem!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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