Avenida do Choro

“É normal estar triste.” Senti-me um nadinha de nada mais leve no caminho até casa, alguém validara a minha tristeza.

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Adam Littman Davis/Unsplash

Lembro-me que procurei uma médica, uma médica vulgar de clínica geral, escolhida ao calhas através do agendamento telefónico numa clínica privada. Quando lhe contei que me sentia muito triste, cansada, com medo de muitas coisas, sem especificar quais, e que talvez fosse melhor medicar-me, nem eu própria sabia para que doença, perguntou-me se havia um motivo que me tivesse deixado naquele estado.

Expliquei-lhe que me tinha separado há alguns meses, mais precisamente seis. Que o projecto de vida em comum com o pai do meu filho tinha terminado depois de termos sido pais, o que era irónico sem ter graça, e ao mesmo tempo um cliché das separações dos nossos tempos. Expliquei-lhe que estava demasiado triste e exaurida por quase dois anos de maternidade praticada sozinha, com inúmeras noites sem dormir, entre mamadas e cólicas e o crescimento dos dentes e outras tantas coisas que causavam choro ao meu filho, para as quais eu não tinha explicação e que me causavam a mim noites de intermitência, algumas em branco. Sem conter o choro saiu-me que me sentia perdida e dormente.

Perguntou-me se estava a ser capaz de dar conta das tarefas que a maternidade exige e se no trabalho também estaria tudo bem. Disse-lhe que sim, embora a verdade não fosse bem essa; queixei-me apenas daquela tristeza avassaladora, que me esvaziava e me empurrava para um escuro fundo sem que eu tivesse controlo, quer das lágrimas largadas ao cair da noite, quer do medo do que os outros podiam fazer-me, mesmo os mais próximos, a mim e ao meu bebé.

Não me deu medicação nenhuma, era uma médica com uma certa idade, experiente, que não escondia com tintas os cabelos brancos, com um olhar meigo, quase maternal; mesmo que só me conhecesse há menos de uma hora conseguiu dar-me mais amor do que a minha mãe nesta época da minha vida. O diagnóstico foi assertivo, mas com as subtilezas de uma pessoa afectuosa. “As pessoas recorrem à farmacologia porque não querem estar tristes. As pessoas não querem passar por isso. É normal, é doloroso. Por outro lado, faz parte estarmos tristes quando nos acontece, de facto, algo que nos entristece. O seu caso é esse, tem mais do que motivos para estar triste. E cansada. Se continuar a sentir-se assim nos próximos meses, volte e conversamos novamente. Por agora, vai mesmo sentir-se assim, como está. É difícil estar triste, mas faz parte.”

Saí da clínica um pouco mais apaziguada. Ainda ninguém me tinha dito algo tão simples como aquilo. “É normal estar triste.” Senti-me um nadinha de nada mais leve no caminho até casa, alguém validara a minha tristeza. Depois, ao avistar a avenida onde ficava o apartamento onde vivia com o meu filho, chorei até me apetecer e instintivamente baptizei esse lugar com o nome que me ocorreu: Avenida do Choro.

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