O imperativo das operações interagência e o contributo das dinâmicas organizacionais internas

A par de uma visão de aprofundamento dos processos e mecanismos de interação interdepartamental entre os diferentes setores do Estado, os serviços públicos têm de valorizar o papel dos processos organizacionais internos.

A atuação articulada entre as diversas entidades da Administração Pública nunca foi tão premente e indispensável, revelando-se nas atuais exigências societais de eficiência, trabalho em rede e consciência situacional permanente.

Apesar da atuação destas entidades estar delimitada por um vasto ordenamento jurídico que acentua a diferenciação e a compartimentalização, tal não impede a existência de interdependências e oportunidades de complementaridade, com particular destaque para as operações interagência.

Podemos afirmar que as operações interagência consistem em atividades que envolvem duas (ou mais) entidades distintas com o objetivo de produzir mais e/ou melhor valor público do que aquele que poderia ser produzido quando as organizações atuam sozinhas. Estas operações requerem a colaboração, a cooperação e/ou a coordenação entre os diversos intervenientes na resposta a uma situação complexa ou multidimensional, e assentam na partilha bidirecional de recursos e ideias, na confiança e no respeito mútuo.

São vários os (bons) exemplos, desde a colaboração prestada pelas Forças Armadas à Guarda Nacional Republicana, no âmbito da vigilância da floresta contra incêndios, à cooperação entre a Infraestruturas de Portugal e os municípios que integram a Associação de Municípios da Rota da Estrada Nacional 2 ou às operações conjuntas no âmbito da cibersegurança.

Quando bem realizadas, as operações interagência contribuem para uma maior eficiência e promovem uma imagem de confiança e credibilidade das partes envolvidas e destacam o espírito de serviço público dos vários departamentos e setores do Estado. Cumulativamente, este tipo de abordagem contraria a dispersão de esforços por iniciativas que podem convergir para o mesmo fim, evitando-se assim redundâncias e a sobreposição de iniciativas e capacidades.

Como é compreensível, o histórico de interações prévias, a legitimidade das lideranças, o ambiente político favorável à atuação interdepartamental, a clara definição de papéis e responsabilidades, a existência de mecanismos para a resolução eficaz de conflitos, uma comunicação frequente e um diálogo aberto através de canais formais (e informais) são aspetos decisivos para assegurar que estas operações se realizam com sucesso.

Contudo, apesar das vantagens elencadas, são vários os motivos subjacentes a uma realidade nacional que não satisfaz, persistindo a necessidade de promover, de forma aberta e aprofundada, este tipo de operações.

Do ponto de vista jurídico, existem, por vezes, nem que seja de forma arquitetada, sobreposições ao nível das atribuições e competências legais. Do ponto de vista organizacional, aspeto que será, porventura, o mais desafiante, salienta-se as questões relacionadas com as diferenças de poder, confiança, prioridades, cultura organizacional e de representatividade institucional, designadamente, a credibilidade, o estatuto e a autoridade dos respetivos participantes/representantes. Do ponto de vista da semântica, importa ainda assegurar que os termos são compreendidos da mesma forma, por todas as partes envolvidas, independentemente das diferentes bases formativas e dos antecedentes profissionais. Por exemplo, o que queremos realmente dizer com ‘colaboração’, ‘coordenação’ ou ‘cooperação’, conceitos distintos em termos de âmbito, autonomia de atuação, decisão ou resolução de conflitos?

Considerando as implicações no processo de interação inter-organizacional, importa também explorar duas perspetivas que têm sido pouco acauteladas ao longo dos anos e que têm contribuído de forma determinante para o (in)sucesso das operações interagência.

Desde logo, porque se trata de uma abordagem que tem início num processo centrado nas relações pessoais, ao nível das perceções e dinâmicas comportamentais. Ora, no plano interno, esta questão é exacerbada pelo facto dos diferentes departamentos e unidades nem sempre estarem a colaborar ativamente visando a construção de relações de confiança e a partilhar informação dentro das suas próprias estruturas. Uma boa interação interna é a base para uma interação externa eficaz. Sem prejuízo da relevância de outras determinantes, o foco nas pessoas envolvidas e o estímulo às boas práticas internas são os principais catalisadores para o sucesso das operações interagência.

Ademais, as atuais dinâmicas comunicacionais, potenciadoras de precipitação e superficialidade no contexto decisório, e alguma incapacidade de planeamento estratégico, obstaculizam o exercício de introspeção organizacional e a adoção de uma postura orientada para o reforço da gestão integrada e transversal dos diversos serviços e processos.

No sentido de colmatar os desafios que se colocam ao sucesso das operações interagência, a pedra angular deve assentar na conjugação de dois vetores, designadamente: o desenvolvimento e a utilização de sistemas de informação e de comunicação comuns ou integrados que possibilitem a transmissão de fluxos de dados através de ligações em rede e que integrem os diferentes processos funcionais das entidades envolvidas; e a construção de uma estrutura organizacional capaz de disponibilizar uma imagem situacional global, seja ao nível dos serviços que disponibiliza, seja ao nível das iniciativas internas.

Neste contexto, as entidades poderão assegurar, internamente, a qualidade das escolhas e o alinhamento e a consistência das intervenções, bem como interagir em permanência - ou sempre que necessário - no âmbito dos sistemas em que se inserem, agilizando os processos de emprego conjugado de todas as valências disponíveis e a partilha orquestrada dos diferentes canais e atividades, promovendo a interoperabilidade e reduzindo a duplicação dos esforços.

A par de uma visão de aprofundamento dos processos e mecanismos de interação interdepartamental entre os diferentes setores do Estado, os serviços públicos têm de valorizar o papel dos processos organizacionais internos. Ambos os vetores permitem desenvolver uma capacidade superior de funcionamento em rede, o que consubstancia um fator gerador de efeitos sinérgicos.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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