Saudita condenada a 34 anos de prisão por tweets

O caso de Salma al-Shehab é visto como sinal de uma escalada na repressão aos dissidentes e prova que, apesar das reformas dos últimos anos, a situação das mulheres só piora no regime liderado por MBS.

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Salma al-Shehab com o marido e os filhos European Saudi Organisation for Human Rights

É a mais pesada sentença alguma vez recebida por uma saudita julgada por defender os direitos das mulheres no reino. Salma al-Shehab foi inicialmente condenada a três anos de prisão pelo “crime” de usar a internet para “provocar agitação pública e desestabilizar a segurança civil e nacional”. Um tribunal de recurso proferiu agora a sentença de 34 anos de prisão por considerar ainda que Shehab estava “a ajudar os que procuram causar distúrbios públicos e desestabilizar a segurança civil e nacional seguindo as suas contas no Twitter”.

Entre o absurdo de tudo isto, salta à vista o facto de Shehab nem sequer ser uma activista dos direitos das mulheres conhecida, nem na Arábia Saudita nem no Reino Unido, onde vivia. No Instagram, onde tinha menos de 200 seguidores quando foi detida, descrevia-se como higienista oral, aluna de doutoramento na Universidade de Leeds e professora convidada na Universidade Princesa Nourah bint Abdulrahman (uma universidade feminina), em Riad, apresentando-se ainda como mulher e mãe de dois filhos, Noha e Adam, hoje com seis e quatro anos. Tudo indica que fosse exactamente assim que se via quando regressou de férias ao seu país e viu a sua vida mudar para sempre.

Shehab chegou à Arábia Saudita em Dezembro de 2020 e seria presa no mês seguinte, antes de poder regressar a Leeds. O seu crime terá sido a partilha ocasional de tweets de dissidentes sauditas que viviam no exílio onde estes apelavam à libertação de Loujain al-Hathloul, uma das mais conhecidas defensoras do direito das sauditas a conduzir – um direito obtido em Junho de 2018, quando Hathloul e outras mulheres que lutaram por isso estavam presas ou silenciadas. Shehab, hoje com 34 anos, foi presa em Janeiro de 2021, poucas semanas antes de Hathloul ser libertada, com pena suspensa e após 1001 dias depois de detenção.

A nova sentença de Shehab foi divulgada um mês depois de Joe Biden ter ido à Arábia Saudita reunir-se com Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro e líder de facto da Arábia Saudita, num encontro em que o Presidente norte-americano garante ter falado de direitos humanos e dito “muito claramente” o que pensa “sobre o assassínio” de Jamal Khashoggi, jornalista residente nos Estados Unidos que foi asfixiado e desmembrado em 2018, no consulado saudita de Istambul, numa operação autorizada por MBS (conhecido pelas suas iniciais).

Para além de provar que MBS está pouco preocupado com o que pensam do seu regime os aliados ocidentais, esta sentença pode ser um prenúncio de mais notícias terríveis. Bethany Alhaidari, responsável do caso de Shehab na ONG The Freedom Iniciative, contou ter conhecimento de outras sauditas que viram recentemente as suas penas dramaticamente aumentadas depois do recurso em tribunais sauditas. Ao mesmo tempo, há relatos que indicam que quando Shehab foi presa, na Província Oriental do reino, centenas de outras jovens mulheres terão sido também detidas, muitas por terem feito retweets ou usado hashtags no Twitter.

“Isto é irracional, parte o coração e é um desastre para centenas de mulheres detidas ou que venham a ser detidas sob acusações semelhantes de apoio a direitos ou liberdades”, escreveu no Twitter Hala Dosari, académica e activista saudita. “É irónico que enquanto celebrávamos a libertação de Loujain, Salma continuou atrás das grades por ter apelado a essa mesma libertação”, comentou a organização The Freedom Iniciative, grupo sediado nos EUA que defende a liberdade de pessoas detidas sem motivos válidos no Médio Oriente e no Norte de África. “É um padrão das autoridades sauditas, garantir que as activistas não podem celebrar ou receber crédito por nenhuma das suas vitórias duramente conquistadas.”

Para Lina Hathloul, irmã de Loujain e responsável de comunicação no grupo de direitos humanos ALQST, com sede no Reino Unido, a sentença de Shehab “é uma paródia das garantias que as autoridades sauditas têm dado sobre reformas dos direitos das mulheres e do sistema legal, mostrando que continuam empenhadas em punir severamente qualquer pessoa que expresse livremente as suas opiniões”.

“As activistas sauditas avisaram os líderes ocidentais que dar legitimidade ao príncipe herdeiro abriria caminho para mais abusos, infelizmente estamos a testemunhar isso mesmo”, defendeu Hathloul, ouvida pelo portal de notícias Middle East Eye. Na opinião de Alhaidari, “a aceitação da comunidade internacional parece funcionar como luz verde”.

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