Não há muitos dias tivemos uma notícia que – infelizmente – se está a tornar repetitiva: vamos a pouco mais de meio de 2022 e já esgotámos todos os recursos biológicos que o planeta consegue regenerar durante um ano inteiro. A partir de agora vivemos a crédito do planeta, o que quer dizer que quando chegarmos a 31 de Dezembro teremos consumido o equivalente aos recursos ecológicos de 1,75 Terras. Estamos, no entanto, a viver das boas graças do planeta de muitas outras formas e, se prestarmos atenção, os sinais não param de se acumular.

A data em que passamos a viver a crédito dos recursos biológicos passíveis de renovação durante um ano chama-se o Dia da Sobrecarga da Terra. Se em 1970 essa data chegou, em termos globais planetários, a 29 de Dezembro, em 2022 foi a 28 de Julho. Os pormenores mais recentes sobre o esforço a que estamos a sujeitar a Terra encontram-se no último texto que publicámos quando alcançámos este triste marco. Já o dia em que cada país chega ao seu dia de sobrecarga surge em momentos diferentes – no caso de Portugal foi a 7 de Maio.

O planeta está sobrecarregado, em suma. O rol de más notícias para a Terra engrossa diariamente, e disso temos continuado a dar conta nos últimos tempos. Os recordes de temperatura em Portugal e noutras paragens já tinham sido (invariavelmente) notícia em meados de Julho, e o calor e as alterações climáticas que lhe estão associadas continuam a receber atenção de cientistas e, entre outros, de jornalistas.

Revelámos, por exemplo, que Lisboa é a sétima cidade europeia mais exposta a ondas de calor e explicámos onde é que se concentram as ilhas de calor da capital portuguesa, num trabalho jornalístico em texto e vídeo.

Revelámos que as ondas de calor marinhas no mar Mediterrâneo, raras até há poucas décadas, se estão a tornar frequentes a cada Verão que passa, segundo uma investigação de cientistas de 11 países, incluindo Portugal. Estes aumentos da temperatura da água do mar afectam várias regiões do Mediterrâneo, causando episódios de mortalidade nas comunidades marinhas, como nas esponjas e nos corais.

Revelámos que na Gronelândia em apenas três dias (15, 16 e 17 de Julho) derreteu tanto gelo que a água resultante dava para encher 7,2 milhões de piscinas olímpicas. Que as imagens de satélite (obtidas a 31 de Julho) do arquipélago de Svalbard – cuja temperatura do ar estava cinco graus Celsius acima dos valores de referência – mostravam níveis excepcionais de derretimento dos gelos.

Que os glaciares dos Alpes estão a derreter a um ritmo alucinante. E não há muito tempo dávamos conta de que os Alpes, conhecidos pelas suas montanhas cobertas de neve, estavam a ficar mais verdes. Ou seja, a perder neve e a ganhar vegetação, como evidenciava uma análise de imagens de satélite dos últimos 38 anos (entre 1984 e 2021).

Por tudo isto um grupo de cientistas lançou um desafio à comunidade científica para estudar os piores cenários das alterações climáticas e, assim, evitar o risco de sermos "dolorosamente surpreendidos".

Calor, calor e mais calor, que nos conduz às alterações do clima provocadas pelas emissões de carbono de origem humana. Do lado da política, António Guterres, nos seus discursos, tem repetido que o planeta "está a ripostar com fúria" o mal que lhe estamos a fazer. Disse-o em 2019 na Cimeira da Acção Climática, em Nova Iorque: acrescentava então que era preciso taxar a indústria de combustíveis fósseis. O secretário-geral das Nações Unidas repetiu agora a ideia dos impostos sobre a poluição do carbono, apelando aos governos para taxarem os lucros excessivos da indústria do petróleo, e acusou as empresas petrolíferas de "ganância grotesca".

Outros sinais de como tratamos o planeta estão aí. O rio Colorado está a ficar sem água e, se nada for feito, pode deixar de ter caudal suficiente para as grandes barragens produzirem electricidade. Uma subespécie da borboleta-monarca, por exemplo, acaba de entrar para a Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) e o esturjão-do-yangtzé passou do patamar de "severamente ameaçado" para "extinto". A Amazónia continua a arder, agora em passo acelerado antes das eleições presidenciais no Brasil, a 2 de Outubro.

Não gostaríamos de terminar em tom tão catastrofista, a ponto de se pensar que já não vale a pena fazer nada porque está tudo perdido. Esta nota mais positiva, de um mundo pelo qual vale muito a pena lutar – não temos outra alternativa –, poderá encontrar-se, desde logo, na beleza do próprio planeta e no trabalho de tantos e tanta gente em prol da Terra e das suas formas de vida, como vemos nesta reportagem que fizemos na Islândia.

Nota positiva encontra-se ainda na recuperação do stock de sardinhas nos últimos anos e, já agora, em quem quis contar num documentário para a RTP essa recuperação e a história da nossa relação com este peixe, como o biólogo Bruno Pinto (com quem falámos para o podcast do Azul) com outros colegas. Ou no nascimento de uma cria de golfinho às portas de Lisboa.

O planeta sobrecarregado. Estamos a sobrecarregá-lo e, ao fazê-lo, estamos prejudicar-nos também a nós próprios. Que a beleza do planeta nos desperte para o que não queremos perder para sempre. E nos inspire.