Hoje, 28 de Julho de 2022, atingimos o Dia da Sobrecarga da Terra

Portugal atingiu o seu dia de sobrecarga a 7 de Maio. Seriam necessários 1,75 planetas para colmatar os recursos gastos em 2022.

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Os efeitos das alterações climáticas, como as secas, são uma consequência da sobrecarga imposta ao planeta David Gray/Reuters

Nesta quinta-feira, a humanidade atingiu o Dia da Sobrecarga da Terra para 2022. De amanhã em diante, tudo o que for gasto a nível ecológico já não vai ser reposto pelo planeta ao longo deste ano, de acordo com os cálculos feitos pela organização não-governamental “Global Footprint Network”.

Lançado em 2006, o Dia da Sobrecarga da Terra faz uma estimativa anual do dia em que os recursos usados pela humanidade ultrapassam a capacidade regenerativa da Terra. Para realizar-se este cálculo, estima-se a pegada ecológica dos países, tendo em conta as emissões de gases com efeito de estufa, os alimentos produzidos e retirados do ambiente, o espaço ocupado pela construção e a floresta que vai sendo deitada abaixo para o uso da madeira e do papel.

Por outro lado, é necessário medir a biocapacidade dos países ou da Terra. Ou seja, a capacidade regenerativa para assimilar o dióxido de carbono, repor stocks de peixes, voltar a crescer florestas e para recuperar o solo explorado pela agricultura. Quando a pegada ecológica é maior do que a biocapacidade, tanto a nível local quanto global, então atinge-se a sobrecarga e entra-se em défice ambiental.

Década após década, a humanidade tem atingido este marco cada vez mais rapidamente. Em 1970 foi a 29 de Dezembro, em 1980, a 4 de Novembro, em 1990, a 11 de Outubro, no ano 2000, a 23 de Setembro, em 2010 a 7 de Agosto, e em 2019, a 29 de Julho.

Em 2020, quando surgiu a pandemia, a diminuição do gasto energético nos primeiros seis meses fez adiar o Dia da Sobrecarga da Terra para 22 de Agosto. Mas no ano seguinte a humanidade voltou ao seu modo acelerado de viver e gastar. Em 2021, o marco foi a 30 de Julho. Em 2022, juntamente com 2018, foram os anos em que gastámos as capacidades regenerativas do planeta mais rapidamente.

Um défice de 19 anos

Para que o consumo da humanidade se equilibrasse com a regeneração terrestre seriam necessárias 1,75 Terras, de acordo com os cálculos da organização. Posto de outra forma, de 1970 para cá o défice anual acumulado de dívida ecológica equivale a 19 anos de regeneração planetária. Seria necessário colocar a humanidade em suspensão entre 2023 e 2041 para a Terra ter tempo de colmatar os gastos humanos.

Muitos fenómenos que têm vindo a acontecer provam as consequências de viver a crédito todo este tempo. “Este dia recorda-nos que a persistência da sobrecarga [da Terra] levou a um enorme declínio da biodiversidade, ao excesso de gases com efeito de estufa e aumentou a competição por alimentos e pela energia”, lê-se no comunicado daquela organização. “Estes sintomas estão a tornar-se mais proeminentes com ondas de calor, incêndios florestais, secas e inundações invulgares.”

É importante sublinhar que este é um valor médio para as quase 8000 milhões de pessoas que partilham o planeta. A realidade de cada país é muito díspar. Existem várias nações que chegam ao fim do ano sem nunca terem ultrapassado este marco. Países como a Índia, Madagáscar, Angola, Paquistão, Haiti e a Palestina não vão sobrecarregar o planeta em 2022.

Por outro lado, logo a 10 de Fevereiro o Qatar atingiu o gasto que era possível para todo o ano, seguido de perto pelo Luxemburgo, a 14 de Fevereiro. O dia de sobrecarga para o Canadá, os Emirados Árabes Unidos e os Estados Unidos foi o mesmo, a 13 de Março. A Austrália atingiu o marco dez dias depois, a 23 de Março. A Bélgica foi a 26 de Março, a Dinamarca a 28 e a Finlândia a 31 daquele mês.

Rússia e Nova Zelândia atingiram o marco a 19 de Abril e a França no dia seguinte. Alemanha e Israel passaram a estar em sobrecarga no mesmo dia, a 4 de Maio, o Japão foi a 6 de Maio, Portugal a 7 e a Espanha a 12 daquele mês. Para os portugueses, o país teria de ter 3,5 vezes o seu tamanho para o défice ecológico ser neutro.

Avançando no ano, a China atingiu o marco a 2 de Junho e o Panamá a 17 de Julho. Em Agosto, o Brasil atingirá o limite do gasto de recursos no dia 12 e a Ucrânia no dia 17. Cuba só começará a entrar em sobrecarga a partir de 25 de Novembro e o Equador a partir de 6 de Dezembro.

Desafio para o mundo

“O Dia da Sobrecarga da Terra demonstra que o sistema de produção e consumo actual é incompatível com a intenção de continuar a habitar este planeta”, disse Gustavo Manrique, ministro do Ambiente, da Água e da Transição Ecológica do Equador, num evento para marcar este dia.

O Equador foi um exemplo para o mundo a nível ecológico quando, em 2008, o voto popular determinou que a natureza passava a ter direitos legais inscritos na Constituição do país para poder “existir, florescer e evoluir”, refere o comunicado. “Para melhor proteger os recursos e gerir a nossa demanda por eles, é necessário realizar acções conjuntas com o objectivo de desenvolver um novo modelo de desenvolvimento baseado na sustentabilidade e na regeneração. Do Equador, fazemos um apelo para o mundo se comprometer com esta causa”, acrescentou Gustavo Manrique.

Para que a Terra não aumente a sua temperatura média mais do que 1,5 graus Celsius, em relação aos valores pré-industriais, será necessário adiar, todos os anos, o Dia de Sobrecarga da Terra em dez dias, de acordo com o comunicado, que dá exemplos sobre como fazer isso. “Melhorar o sistema urbano de infra-estrutura para as bicicletas em todo o mundo ao nível actual daquele que se encontra nos Países Baixos tem o potencial de mover a data do Dia de Sobrecarga da Terra em nove dias”, refere o comunicado. Já a diminuição do desperdício alimentar mundial para metade, adiaria o marco em 13 dias.

A 1 de Janeiro de 2023, inicia-se, de novo, a contagem.