Crise climática

Da Amazónia aos Andes: “Qual o estilo de vida possível para as gerações futuras?”

Nos últimos quatro anos, o fotógrafo brasileiro Márcio Pimenta visitou, na América Latina, lugares de natureza exuberante, como a floresta amazónica, a cordilheira dos Andes e o deserto de Atacama, onde a sobreexploração de recursos começa a ter um impacto transformador da paisagem. Parte do projecto O Homem e a Terra pode ser vista na Bienal de Cerveira.

A nossa relação com a geografia altera a paisagem, conferindo-lhe um significado social e económico. As paisagens revelam a forma como nos relacionamos com o meio ambiente - um reflexo da nossa condição. São Paulo, Brasil 2021. ©Márcio Pimenta
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A nossa relação com a geografia altera a paisagem, conferindo-lhe um significado social e económico. As paisagens revelam a forma como nos relacionamos com o meio ambiente - um reflexo da nossa condição. São Paulo, Brasil 2021. ©Márcio Pimenta

Em 2018, após uma visita à Antárctida a convite do governo do Chile, o fotógrafo Márcio Pimenta deu início ao projecto O Homem e a Terra, que se encontra em exposição em Vila Nova de Cerveira, ao abrigo da Bienal. Inspirado na obra homónima do geógrafo francês Eric Dardel, Márcio explora, através da fotografia documental, a relação entre o ser humano e o planeta à luz da actual “emergência climática”. “Hoje, não há no planeta um único espaço que não sofra intervenção humana”, disse ao P3, em entrevista. “Ainda que seja política. A nossa espécie ocupou todos os espaços.”

Para fazer o retrato da intervenção humana sobre a geografia, que tem por base “as necessidade humanas ilimitadas para a obtenção de água, energia e alimentos”, o fotógrafo brasileiro visitou lugares da América Latina “que tiveram as suas paisagens completamente comprometidas para a obtenção desses recursos”: a cordilheira dos Andes, a Amazónia, o deserto de Atacama, a Mata Atlântica, a Serra Nevada de Santa Marta, “entre outros biomas”.

No corpo do projecto fotográfico nem sempre vemos imagens que reflectem, de forma óbvia, essa intervenção destruidora. “Procurei afastar-me das imagens de ursos polares, por exemplo”, explica. “Entendi que as pessoas não se sensibilizam com temas que estão muito distantes das suas próprias realidades; que compreendem melhor a mensagem quando as imagens revelam a transformação na paisagem que é operada com o objectivo de satisfazer as suas necessidade de água, comida e energia.”

Algumas das actividades que Márcio documenta, como o corte de madeira, as explorações pecuária e agrícola, as colheitas e o seu tratamento são transversais à actividade humana desde que o ser humano deixou de ser caçador-recolector. As secas e as inundações são intemporais – e tendencialmente temporárias. Assim, de que forma é que essas actividades e fenómenos representam a “emergência ambiental” que vivemos? “Obter recursos da Terra é essencial para a vida humana”, refere Pimenta. “Sem os recursos, a vida seria impossível. O problema é o excesso.”

É contra o excesso que Márcio professa. Na sua opinião, o crescimento económico está a ser sobrevalorizado em detrimento do conceito de qualidade de vida. “A pergunta essencial é: qual é o futuro que desejamos para a Humanidade?” Considera compreensível que cientistas e activistas lutem pela implementação de medidas que têm em vista o combate às alterações climáticas. “Todo esse esforço deve ser apoiado”, reforça. “Mas existe uma ausência de reflexão sobre qual o estilo de vida possível para as gerações futuras.”

Será que temos, hoje, no século XXI, um estilo de vida mais gratificante do que no passado? “Tornámo-nos mais inteligentes, mas acho que temos uma vida menos gratificante”, observa. Desde que abandonámos o nomadismo, nos fixámos e começámos a produzir alimentos com recurso à agricultura – e que a população começou a aumentar –, “tornámo-nos escravos de um estilo de vida que se tem aprofundado cada vez mais”. “Por exemplo, vivemos em espaços cada vez menores – os habitantes de Nova Iorque, Paris, São Paulo, Pequim sentem na pele a sensação de estarem presos. E isso contradiz a nossa natureza animal.”

Uma mina de carvão a céu aberto. Na equação energética brasileira, o carvão tem uma presença diminuta, mas no mundo ainda é uma fonte de energia significativa. Com as alterações climáticas, este tipo de fontes de energia tem de ser descontinuada.
Uma mina de carvão a céu aberto. Na equação energética brasileira, o carvão tem uma presença diminuta, mas no mundo ainda é uma fonte de energia significativa. Com as alterações climáticas, este tipo de fontes de energia tem de ser descontinuada. ©Márcio Pimenta
Uma família de camponeses prepara a terra para o cultivo. Os agricultores locais estão a adaptar-se às mudanças abruptas no clima e ao aquecimento global.
Uma família de camponeses prepara a terra para o cultivo. Os agricultores locais estão a adaptar-se às mudanças abruptas no clima e ao aquecimento global. ©Márcio Pimenta
A mina Minister Hales, conhecida por Mina Mansa, fica dez quilómetros a norte de Calama, na estrada que liga essa cidade a Chuquicamata, no Chile. A operação a céu aberto inclui o transporte de minerais para uma unidade de transformação, que fica nas imediações.
A mina Minister Hales, conhecida por Mina Mansa, fica dez quilómetros a norte de Calama, na estrada que liga essa cidade a Chuquicamata, no Chile. A operação a céu aberto inclui o transporte de minerais para uma unidade de transformação, que fica nas imediações. ©Márcio Pimenta
Castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa) a ser abatida, em Sena Madureira, Acre, Brasil. Esta é uma espécie de árvore icónica na floresta amazónica, que pode atingir os 50 metros de altura. O crescimento da árvore depende de um contexto intocado; é uma das árvores mais desejadas pelos madeireiros ilegais, por isso é também uma das mais valiosas e mais vulneráveis e ameaçadas. O seu corte e uso está proibido por lei. Se o actual ritmo de corte de árvores se mantiver ou aumentar, poderemos atingir o "ponto sem retorno" entre 15 a 30 anos.
Castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa) a ser abatida, em Sena Madureira, Acre, Brasil. Esta é uma espécie de árvore icónica na floresta amazónica, que pode atingir os 50 metros de altura. O crescimento da árvore depende de um contexto intocado; é uma das árvores mais desejadas pelos madeireiros ilegais, por isso é também uma das mais valiosas e mais vulneráveis e ameaçadas. O seu corte e uso está proibido por lei. Se o actual ritmo de corte de árvores se mantiver ou aumentar, poderemos atingir o "ponto sem retorno" entre 15 a 30 anos. ©Márcio Pimenta
Maquinaria pesada desbrava a montanha para abrir caminho para a mineração ilegal de manganés no solo amazónico. A mineração ilegal na Amazónia é responsável pela desflorestação e poluição da região: envenena tribos indígenas e rios com mercúrio e ferro, a riqueza do país. Por detrás da desflorestação no Brasil estão actividades como o como a mineração ilegal e o corte ilegal de árvores, actividades que o presidente Jair Bolsonaro apoia e encoraja.
Maquinaria pesada desbrava a montanha para abrir caminho para a mineração ilegal de manganés no solo amazónico. A mineração ilegal na Amazónia é responsável pela desflorestação e poluição da região: envenena tribos indígenas e rios com mercúrio e ferro, a riqueza do país. Por detrás da desflorestação no Brasil estão actividades como o como a mineração ilegal e o corte ilegal de árvores, actividades que o presidente Jair Bolsonaro apoia e encoraja. ©Márcio Pimenta
A desflorestação ilegal da Amazónia é uma actividade custosa. Em geral, os fazendeiros ricos e os madeireiros financiam esta prática. As pessoas pobres, como o trabalhador que figura nesta imagem, apanham alguma da madeira que sobra, alguma proveniente de áreas ardidas, para constuir objectos para suas casas. Este trabalhador desempregado usa a madeira para construir bancos para uma reunião religiosa da sua comunidade em Bajuri, Acre, Brasil. Agosto de 2019.
A desflorestação ilegal da Amazónia é uma actividade custosa. Em geral, os fazendeiros ricos e os madeireiros financiam esta prática. As pessoas pobres, como o trabalhador que figura nesta imagem, apanham alguma da madeira que sobra, alguma proveniente de áreas ardidas, para constuir objectos para suas casas. Este trabalhador desempregado usa a madeira para construir bancos para uma reunião religiosa da sua comunidade em Bajuri, Acre, Brasil. Agosto de 2019. ©Márcio Pimenta
No bioma do Cerrado (o segundo maior da América do Sul), os fogos florestais são comuns devido ao calor intenso, mas também são ateados por mãos criminosas que desejam utilizar as áreas para a plantação de soja e pecuária. A desflorestação no Cerrado emitiu 248 milhões de toneladas de gases que contribuem para o efeito de estufa, apenas em  2016. Isso é mais do dobro das emissões de toda a indústria do Brasil e corresponde a 11% de todo o dióxido de carbono lançado pelo Brasil nesse ano.
No bioma do Cerrado (o segundo maior da América do Sul), os fogos florestais são comuns devido ao calor intenso, mas também são ateados por mãos criminosas que desejam utilizar as áreas para a plantação de soja e pecuária. A desflorestação no Cerrado emitiu 248 milhões de toneladas de gases que contribuem para o efeito de estufa, apenas em 2016. Isso é mais do dobro das emissões de toda a indústria do Brasil e corresponde a 11% de todo o dióxido de carbono lançado pelo Brasil nesse ano. ©Márcio Pimenta
O fazendeiro Nelson Gaspareto Damo e o filho, Douglas Meazza Damo, colhem erva-mate na sua propriedade em Árvorezinha, Rio Grande do Sul, Brasil. A produção e consumo de erva-mate é tradicional na cultura das populações da América Latina. Especialmente no sul do Brasil (Paraná e Rio Grande do Sul), Argentina e Uruguai. As alterações climáticas poderão reduzir a produtividade agrícola e afectar negativamente estas culturas, forçando populações à migração.
O fazendeiro Nelson Gaspareto Damo e o filho, Douglas Meazza Damo, colhem erva-mate na sua propriedade em Árvorezinha, Rio Grande do Sul, Brasil. A produção e consumo de erva-mate é tradicional na cultura das populações da América Latina. Especialmente no sul do Brasil (Paraná e Rio Grande do Sul), Argentina e Uruguai. As alterações climáticas poderão reduzir a produtividade agrícola e afectar negativamente estas culturas, forçando populações à migração. ©Márcio Pimenta
Uma árvore da espécie "Tingui do Cerrado" (Magonia pubescens) tenta resistir à desertificação. As áreas susceptíveis ocupam, no Brasil, cerca de 1,340,000 km2 e afectam directamente 30 milhões de pessoas. 180 mil metros quadrados encontram-se já  em processo grave ou muito grave de desertificação, sobretudo no nordeste, onde 55,25% do território é afectado em diferentes níveis pela deterioração ambiental.
Uma árvore da espécie "Tingui do Cerrado" (Magonia pubescens) tenta resistir à desertificação. As áreas susceptíveis ocupam, no Brasil, cerca de 1,340,000 km2 e afectam directamente 30 milhões de pessoas. 180 mil metros quadrados encontram-se já em processo grave ou muito grave de desertificação, sobretudo no nordeste, onde 55,25% do território é afectado em diferentes níveis pela deterioração ambiental. ©Márcio Pimenta
Marineide Cirilo Rodrigues. No Piaui, no Brasil, nos estados vizinhos de Tocantins e Bahía, a desflorestação e a agricultura intensiva transformaram a região num grande deserto - a área tende a expandir-se.  Marineide conta que tentou chamar a atenção para o fenómeno entre todos os seus amigos e vizinhos, mas que esses continuaram a cortar árvores. Hoje, sofrem grandes perdas na produção agrícola devido à erosão do solo.
Marineide Cirilo Rodrigues. No Piaui, no Brasil, nos estados vizinhos de Tocantins e Bahía, a desflorestação e a agricultura intensiva transformaram a região num grande deserto - a área tende a expandir-se. Marineide conta que tentou chamar a atenção para o fenómeno entre todos os seus amigos e vizinhos, mas que esses continuaram a cortar árvores. Hoje, sofrem grandes perdas na produção agrícola devido à erosão do solo. ©Márcio Pimenta
No nordeste do Brasil, numa parte muito seca e pobre do país, há umas década foi descoberto petróleo. Da noite para o dia, muitos tornaram-se milionários e começaram a viver das receitas do petróleo. Muitos mantiveram as suas terras, mas nunca mais lá viveram. As fontes de energia fósseis são uma das principais causas do aquecimento global.
No nordeste do Brasil, numa parte muito seca e pobre do país, há umas década foi descoberto petróleo. Da noite para o dia, muitos tornaram-se milionários e começaram a viver das receitas do petróleo. Muitos mantiveram as suas terras, mas nunca mais lá viveram. As fontes de energia fósseis são uma das principais causas do aquecimento global. ©Márcio Pimenta
Parque eólico. A geração de energia determina os limites do desenvolvimento económico e social de uma comunidade.
Parque eólico. A geração de energia determina os limites do desenvolvimento económico e social de uma comunidade. ©Márcio Pimenta
O distrito de Pamplona Alta, em Lima, Peru, é um dos pais pobres da capital. Aqui, o processo de urbanização tem sido desorganizado e não existe acesso a água potável.
O distrito de Pamplona Alta, em Lima, Peru, é um dos pais pobres da capital. Aqui, o processo de urbanização tem sido desorganizado e não existe acesso a água potável. ©Márcio Pimenta
Em Bagua, um soldado peruano exibe o seu camuflado para combate na selva. Alguns jovens servem em alguns batalhões que vigiam a fronteira e denunciam actividades ilegais de mineração e abate de árvores.
Em Bagua, um soldado peruano exibe o seu camuflado para combate na selva. Alguns jovens servem em alguns batalhões que vigiam a fronteira e denunciam actividades ilegais de mineração e abate de árvores. ©Márcio Pimenta
Mineração ilegal de lítio no deserto de Atacama, no Chile
Mineração ilegal de lítio no deserto de Atacama, no Chile ©Márcio Pimenta