Crise climática
Da Amazónia aos Andes: “Qual o estilo de vida possível para as gerações futuras?”
Nos últimos quatro anos, o fotógrafo brasileiro Márcio Pimenta visitou, na América Latina, lugares de natureza exuberante, como a floresta amazónica, a cordilheira dos Andes e o deserto de Atacama, onde a sobreexploração de recursos começa a ter um impacto transformador da paisagem. Parte do projecto O Homem e a Terra pode ser vista na Bienal de Cerveira.
Em 2018, após uma visita à Antárctida a convite do governo do Chile, o fotógrafo Márcio Pimenta deu início ao projecto O Homem e a Terra, que se encontra em exposição em Vila Nova de Cerveira, ao abrigo da Bienal. Inspirado na obra homónima do geógrafo francês Eric Dardel, Márcio explora, através da fotografia documental, a relação entre o ser humano e o planeta à luz da actual “emergência climática”. “Hoje, não há no planeta um único espaço que não sofra intervenção humana”, disse ao P3, em entrevista. “Ainda que seja política. A nossa espécie ocupou todos os espaços.”
Para fazer o retrato da intervenção humana sobre a geografia, que tem por base “as necessidade humanas ilimitadas para a obtenção de água, energia e alimentos”, o fotógrafo brasileiro visitou lugares da América Latina “que tiveram as suas paisagens completamente comprometidas para a obtenção desses recursos”: a cordilheira dos Andes, a Amazónia, o deserto de Atacama, a Mata Atlântica, a Serra Nevada de Santa Marta, “entre outros biomas”.
No corpo do projecto fotográfico nem sempre vemos imagens que reflectem, de forma óbvia, essa intervenção destruidora. “Procurei afastar-me das imagens de ursos polares, por exemplo”, explica. “Entendi que as pessoas não se sensibilizam com temas que estão muito distantes das suas próprias realidades; que compreendem melhor a mensagem quando as imagens revelam a transformação na paisagem que é operada com o objectivo de satisfazer as suas necessidade de água, comida e energia.”
Algumas das actividades que Márcio documenta, como o corte de madeira, as explorações pecuária e agrícola, as colheitas e o seu tratamento são transversais à actividade humana desde que o ser humano deixou de ser caçador-recolector. As secas e as inundações são intemporais – e tendencialmente temporárias. Assim, de que forma é que essas actividades e fenómenos representam a “emergência ambiental” que vivemos? “Obter recursos da Terra é essencial para a vida humana”, refere Pimenta. “Sem os recursos, a vida seria impossível. O problema é o excesso.”
É contra o excesso que Márcio professa. Na sua opinião, o crescimento económico está a ser sobrevalorizado em detrimento do conceito de qualidade de vida. “A pergunta essencial é: qual é o futuro que desejamos para a Humanidade?” Considera compreensível que cientistas e activistas lutem pela implementação de medidas que têm em vista o combate às alterações climáticas. “Todo esse esforço deve ser apoiado”, reforça. “Mas existe uma ausência de reflexão sobre qual o estilo de vida possível para as gerações futuras.”
Será que temos, hoje, no século XXI, um estilo de vida mais gratificante do que no passado? “Tornámo-nos mais inteligentes, mas acho que temos uma vida menos gratificante”, observa. Desde que abandonámos o nomadismo, nos fixámos e começámos a produzir alimentos com recurso à agricultura – e que a população começou a aumentar –, “tornámo-nos escravos de um estilo de vida que se tem aprofundado cada vez mais”. “Por exemplo, vivemos em espaços cada vez menores – os habitantes de Nova Iorque, Paris, São Paulo, Pequim sentem na pele a sensação de estarem presos. E isso contradiz a nossa natureza animal.”