O deserto de Atacama mata a sua sede graças ao nevoeiro

Do Chile chega-nos o caso de uma estação de investigação que está a recolher gotículas do nevoeiro para obter água em zonas bastante áridas.

Fotogaleria
Redes que recolhem gotículas de água do nevoeiro no deserto de Atacama, Chile MARTIN BERNETTI/AFP
Fotogaleria
O cientista chileno Camilo Del Río junto a uma das redes de recolha de água MARTIN BERNETTI/AFP
Fotogaleria
Gotículas numa das redes MARTIN BERNETTI/AFP
Fotogaleria
Água no deserto de Atacama, onde quase nunca chove MARTIN BERNETTI/AFP
Fotogaleria
A estação de investigação na zona de Alto Patache, no deserto de Atacama, Norte do Chile MARTIN BERNETTI/AFP

Apanhar as gotículas da camanchaca, um tipo de neblina que ocorre no litoral do Pacífico, ao longo da costa árida da América do Sul, é o objectivo de um conjunto de redes instaladas no lugar mais seco do mundo: o deserto de Atacama.

Viradas para o vento, estas redes de polipropileno com alguns metros quadrados, suspensas entre dois postes, esperam pacientemente pelo nevoeiro, até as suas gotas ficarem aprisionadas nas malhas antes de deslizarem lentamente até recipientes.

É uma técnica simples e eficaz: um metro quadrado de rede pode recuperar num único dia até 14 litros de água, explica à agência AFP Camilo del Río, investigador do Instituto de Geografia da Universidade Católica de Santiago, na capital chilena. A média anda à volta dos sete litros de água por dia.

A Universidade Católica de Santiago instalou numa zona conhecida por Alto Patache, perto da localidade de Punta Patache, no Norte do Chile, um centro de investigação que desenvolve esta tecnologia. Patenteada no Chile, esta tecnologia já foi exportada para o Peru, a Guatemala, a República Dominicana, o Nepal, a Namíbia e ainda as ilhas Canárias. Noutros países utiliza-se o mesmo princípio, mas as árvores é que estão incumbidas de apanhar a água do nevoeiro.

A água recuperada tem o mesmo gosto da água da chuva, mas não é totalmente potável, contendo minerais marinhos e até bactérias. Mas a sua “transformação em água potável não é complicada nem é cara, se a quisermos utilizar para consumo humano”, explica Camilo del Río. “Não há nenhum problema se a utilizarmos para outras actividades”, como a rega e a higiene. 

Um horizonte límpido

Em Alto Patache, duas redes “apanha-nevoeiro” satisfazem perfeitamente as necessidades de água na estação de investigação científica, composta por seis cúpulas brancas que abrigam quartos, uma cozinha e uma casa de banho. A água recolhida sai normalmente da torneira. No local está também uma estação meteorológica, bem como diversos instrumentos de medição do nevoeiro.

Utilizar a humidade do nevoeiro para obter água é uma ideia antiga, já posta em prática pelos povos indígenas, que recuperavam a água que escorria pelas rochas. As redes “apanha-nevoeiro” são uma boa solução para fornecer água às pequenas comunidades costeiras do Norte do Chile, que sofrem de uma aridez extrema, numa região onde praticamente nunca chove.

Actualmente, estão a funcionar cerca de 40 destas redes gigantes no deserto de Atacama. As suas dimensões variam, mas em geral têm quatro metros de altura por oito a dez de comprimento.

A camanchaca – que significa “obscuridade” na língua indígena aimará – é uma neblina espessa, trazida pelo Pacífico e que chega ao deserto chileno todos os dias de madrugada, dissipando-se depois à medida que o sol se vai levantando. Quando ela se dispersa totalmente, o céu de Atacama oferece um dos horizontes mais límpidos do planeta: um cenário ideal para a observação dos astros, daí a presença neste deserto dos telescópios mais importantes do mundo.

O fenómeno desta neblina matinal explica-se pela radiação solar forte recebida pelo Pacífico nesta região e que é constantemente varrida pelo vento, o que provoca uma grande evaporação. Ao viajar em direcção ao continente, esta massa de ar arrefece em contacto com a corrente de Humboldt e os picos nevados da cordilheira dos Andes: e é isto que origina a camanchaca.

Armazenar o líquido precioso

“Esta bruma é uma bênção”, considera Camilo del Río. “Estamos num ambiente desértico, superárido, mas temos esta humidade proveniente do mar.”

Há um único inconveniente do sistema “apanha-nevoeiro”: a inconstância. No caso chileno, a recolha de água sofre variações conforme os anos e as estações, diminuindo por exemplo no Outono e no Verão. “Se quisermos fazer deste sistema um recurso hídrico viável para o consumo humano, então devemos assegurar-nos de que é duradouro ao longo do tempo”, sublinha o investigador chileno.

A chave está portanto em armazenar bem este líquido precioso, frisa Pablo Osses, o chefe do projecto no Instituto de Geografia da Universidade Católica de Santiago. Também é necessário tornar esta tecnologia mais previsível, para que os habitantes saibam com que quantidades de água podem contar. “O desafio, no estudo do nevoeiro, é o seu transporte e fornecimento até às comunidades”, refere por sua vez Nicolas Zanetta, coordenador da estação de investigação de Alto Patache. “Perto da estação há pequenas aldeias que não têm água potável e têm de ser constantemente abastecidas por camiões-cisterna, e há problemas na distribuição.”

Alguns exemplos no Chile já são uma esperança. Na região de Coquimbo, a cerca de 400 quilómetros a norte de Santiago, 2000 habitantes têm abastecimento de água graças ao aprisionamento das gotículas de nevoeiro. E estas gotas servem também para fabricar uma cerveja artesanal local.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários