Walter Benjamin e a arte de viajar

Por todos os lugares do viajante — Espanha, URSS, França, Suíça e Dinamarca —, as “imagens do pensamento” de Benjamin tornam fascinantes os seus relatos.

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O que se desprende destes apontamentos e diários é uma ideia de busca do mundo como conjunto produtor de sinais ullstein bild/ullstein bild via Getty Images

Ao longo das eras, a literatura de viagens tornou-se um dos aspectos fundamentais da tradição literária ocidental. Em alguns dos seus momentos mais notáveis, essa produção escrita coincidiu com fórmulas e manifestações que associamos ao grand tour. Esse percurso formativo, quase iniciático, demarcava certa classe social e cultural e acabou por fornecer o molde para o viajante letrado que se aventurasse a passar para o papel as suas experiências em trânsito. Nesse vasto legado – onde avulta o prodígio dos diários e cartas de Byron –, tomou a dianteira, sobretudo no universo de língua alemã, a figura tutelar de Goethe, modelo central e emblema da linhagem, cristalizada em Viagem a Itália (Relógio D’Água, 1999, trad. João Barrento). Ora, como explica João Barrento, na sua “Introdução” a Diários de Viagem, com este livro, estamos perante uma “escrita que se afasta (…) da ‘literatura de viagens’ mais comum e da grande tradição alemã desde Goethe, geradora de muitos epígonos, e que é a do diário como ‘acto cultural’” (p.9). Por outro lado, o itinerário de Benjamin levou-o não apenas a Itália – como sucedia no grand tour –, mas à Suíça e, em épocas distintas, a Moscovo, Paris, a região da Riviera (Juan-les-Pins), ou Ibiza – mas também a Svendborg, onde conviveu com Brecht, então exilado naquela localidade dinamarquesa. No Sul de França, Benjamin já convivera com BB. Desse convívio notável e estimulante, embora não isento de tensões, WB regista, com o rigor que há-de caracterizar todos as suas páginas de diário, diversas “proposições” (p.296) brechtianas – “Brecht acha que seria possível afirmar com fundamento que Trótski é o maior escritor vivo da Europa” (p.292); “para ele é claro que Kafka tem um único tema, que a riqueza da escrita de Kafka reside precisamente na riqueza de variações desse seu tema. Na leitura de Brecht, esse tema seria o do espanto. O espanto de um ser humano que sente a aproximação de enormes deslocamentos em todas as situações existenciais, sem conseguir integrar-se nessa nova ordem.” (p.293) É, aliás, um dito sentencioso de Brecht que encerra os diários de Benjamin – “Não sigas o velho e bom, segue antes o novo e mau.” –, já citado por WB num dos seus Ensaios sobre Literatura, (Assírio & Alvim, trad. João Barrento, 2016). Curiosamente, também Brecht escreveria, num poema seu: “Porque sei:/ Tudo o que é novo/ É melhor que tudo o que é velho.” (Poemas, trad. Paulo Quintela, Ed. Asa, 2007)

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