Ser portuguesa a sério

Tenho consciência da sorte que tenho e sinto-me extremamente grata em ter pais que emigraram e me conseguem dar a vida que tenho. Vivi 18 anos em Bruxelas e agora estudo em Amesterdão há quase três anos. Mas isso quer dizer que nunca vivi em Portugal e nunca saberei o que é crescer em Portugal, com tudo o que de bom e mau isso significa.

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Por vezes sinto que não pertenço a nenhum país, não pertenço a nenhuma cultura. Não importa a quantidade de aulas de português, de trabalhos sobre Portugal, de viagens de volta à terrinha, de livros lidos ou música ouvida, haverá sempre uma separação entre mim e Portugal. Não partilho os mesmo problemas, as mesmas preocupações e as mesmas experiências que os portugueses de Portugal. Serei portuguesa a sério?

Tenho consciência da sorte que tenho e sinto-me extremamente grata em ter pais que emigraram e me conseguem dar a vida que tenho. Vivi 18 anos em Bruxelas e agora estudo em Amesterdão há quase três anos. Mas isso quer dizer que nunca vivi em Portugal e nunca saberei o que é crescer em Portugal, com tudo o que de bom e mau isso significa. Tenho a sorte de saber falar três línguas mas isso também quer dizer que dou mais erros em português e tenho tendência para não conseguir acabar uma frase sem meter para lá uma palavra em francês ou inglês. É uma bênção e uma maldição ao mesmo tempo. Não deixo de sentir angústia, culpa e frustração quanto a esta distância. Serei tão portuguesa quanto alguém que viveu a vida toda em Portugal?

Nunca estive em Portugal no 25 de Abril nem no 10 de Junho. Serei portuguesa suficiente para falar da história de Portugal ou dos sentimentos dos portugueses? Este mal-estar intensificou-se depois de sair de casa e acabar a escola. Já não estou ligada a nenhuma comunidade portuguesa, nem na antiga escola, nem em Bruxelas. Já não tenho o ambiente que tinha em casa onde se falava, lia, ouvia e “comia” português. Hoje em dia não consigo fazer o esforço necessário para me manter a par do que se passa no “meu” país porque não posso simplesmente sair de casa e falar com amigos da última feita pelo Costa ou dita pelo Ventura, ou dos resultados do futebol.

Agora, quando os meus pais me dão notícias do “meu” país só me sinto mais isolada, tanto um indivíduo a ouvir notícias de um país que avança sem mim por mais que o tente alcançar.

Contudo, o facto de estar tão consciente desta minha condição poderá ser o que me levará a sentir-me mais portuguesa. Terei sempre um carinho especial por Portugal, a sua história e tradições. Apesar de não conseguir estar tão a par do presente, interesso-me pelo passado. Faço talvez um esforço a mais para conhecer melhor a história, como que para compensar a minha “ausência” presente. Conhecendo melhor o passado de Portugal poderei aproximar-me de uma certa identidade portuguesa.

Recentemente visitei o Museu do Aljube sobre a resistência portuguesa, nomeadamente nos tempos da ditadura. Navegando por textos, recreações e testemunhos de portugueses que foram presos e torturados ao lutarem por um Portugal livre acabei emocionada. Lembro-me que sou de certa forma o resultado do esforço destas pessoas. Sinto-me o produto de um povo resiliente, extremamente corajoso que luta pelos seus ideais. Espero que sintam que o esforço deles, por mais pequeno que tenha sido, nunca foi em vão. Se não fossem estes portugueses não poderia ter crescido e estudado fora com tanta facilidade. A angústia transforma-se em orgulho.

Poderei não estar fisicamente em Portugal mas as minhas raízes são portuguesas e isso ninguém pode mudar - isto traz-me alguma paz.

Quando volto a Portugal ninguém sabe que sempre vivi fora e quase que invento este alter-ego da Luisinha que estudou no colégio X e está agora na Faculdade de Letras do Porto e gosta de ir tomar café à Paparoca da Foz. De facto poderia ter vivido um milhão de vidas diferentes. Os meus pais poderiam ter decidido ficar em Portugal e teria crescido no Porto sem esta angústia de emigrante. Teria era provavelmente inveja dos que se mudam para fora e têm uma vida mais internacional. Ainda estou no que espero ser o princípio de uma vida comprida cheia de reviravoltas que, quem sabe, me levarão “de volta” à motherland.

Ser portuguesa será então talvez um sentimento, um estado de espírito. Mas é também o cheirinho ao primeiro café da manhã. São os almoços em casa da avó que me recordam que adoro alheira. É um certo carisma e à vontade que reparo que só os portugueses têm. Não preciso de ter uma definição do que é ser portuguesa a sério. É tudo e nada. Basta decidir que simplesmente sou.

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