À descoberta dos tesouros de Gaia, entre a História e as lendas

Organizada pelo Vozes de Gaia, a visita guiada pela mão do historiador Joel Cleto ajudou a despertar consciências para a necessidade de informação rigorosa e factual

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Joel Cleto no passeio do Vozes de Gaia Mário Barros
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Onde é que acaba a lenda e começa a História? Qual é a fronteira entre o imaginário e realidade? Com o propósito de revelar alguns dos tesouros escondidos de Vila Nova de Gaia, o historiador Joel Cleto foi o convidado do Vozes de Gaia - projecto de literacia para os media do PÚBLICO e do Inatel -, para uma visita guiada por alguns dos monumentos e recantos mais preciosos do concelho. Do Convento de Corpus Christi até ao (invisível) Castelo de Gaia, as cerca de quatro dezenas de participantes neste percurso pedestre foram desafiadas a palmilhar alguns dos locais que ajudam a contar a história de Vila Nova de Gaia, surgida do “casamento” entre Vila Nova do Rei e Gaia. E as surpresas foram-se sucedendo, ruas estreitas adentro…

“Deu-me um conhecimento histórico que não tinha”, disse Maria Luísa Ferreira, uma das participantes desta visita aos tesouros de Vila Nova de Gaia. “Pudemos perceber melhor o que são as lendas e o que é a verdade.” O que nem sempre é fácil de se traduzir na prática, como fez questão de salientar, por várias vezes, o cicerone desta visita. “Agora, é uma lenda!”, alertava, de cada vez que o historiador dava lugar ao contador de estórias. Isto é, quando os factos davam lugar à lenda. Hoje, muitas dessas lendas poderiam, porventura, ser colocadas na prateleira das notícias falsas.

Maria do Carmo Oliveira anotou mentalmente estes “saltos” entre a verdade e a ficção. E retirou uma lição importante: “Estas iniciativas são importantes para que as pessoas tenham consciência de que, hoje em dia, estamos expostos a tanta informação, e que vem de tantos sítios, que é muito importante sabermos distinguir a verdade da mentira.”

Exemplo de verdade: o Convento de Corpus Christi foi construído no século XIV uns metros mais adiante, na frente ribeirinha, em relação à sua localização actual. Só cerca de três séculos mais tarde, “e depois de as freiras do Convento terem molhado os pés muitas vezes por causa das cheias”, é que o edifício foi “deslocado” para onde se encontra hoje.

Exemplo de lenda: o Rei Ramiro disfarçou-se de mendigo para tentar iludir o rei mouro, que tinha cativa a amada Gaia; entrou no Castelo de Gaia e, depois de ter convencido o Sarraceno a fazer uma festa em ocasião da sua execução, acabou por conquistar o castelo e trazer sã e salva a sua rainha. Existe a Fonte do Rei Ramiro, ruas e largos com o seu nome, mil e um lugares em sua memória. Mas é apenas isso: uma homenagem do povo de Gaia ao combatente. O resto… é quase tudo fruto da invenção popular.

Falar de lendas não significa, porém, que esses contos sejam desprovidos de um fundo de verdade. No entanto, falta-lhes rigor da história e a confirmação baseada em estudos e documentação. Aquilo que é necessário quando se trata de pensar e escrever notícias. E foi isso mesmo que detectou José Roche Rodrigues, para quem “estas iniciativas são louváveis, porque dão a conhecer locais que, de outro modo, nunca saberia que existem”. “Aumentou a minha curiosidade em relação à forma como, hoje em dia, se fazem notícias”, disse.

E se hoje as notícias nos chegam a qualquer momento e de qualquer ponto do mundo, há quatro séculos era bem diferente. Talvez por isso, o episódio do Cristo que, dizem, “gosta que falem com ele”, exposto no Convento de Corpus Christi seja um exemplo interessante de como a realidade se mistura com a invenção popular. Se é verdade que a peste negra (século XIV) levou milhares de vidas, ficou-nos a história de como a sua madre superiora terá escapado. Reza a lenda que a responsável do convento terá falado com Cristo, que a aconselhou a ficar entre muros. Ao invés de fugir, como aconteceu com a maioria das freiras. Em resumo: a madre superiora sobreviveu (mais duas ajudantes, que resolveram ficar) e as freiras que optaram por abandonar o convento morreram com a peste.

Em cima da mesa, ficou a promessa de regressar aos tesouros de Vila Nova de Gaia. Até porque, no local das escavações no Castelo de Gaia, pouco se avançou – sabe-se que foi destruído pelos vizinhos do Porto, em 1384, e que durante as Guerras Liberais, na primeira metade do século XIX, houve sérios danos ao que restava da estrutura –, há certezas absolutas sobre a existência de vestígios datados da Idade do Bronze, há cerca de 3000 anos. Falta, pois, um mundo de informação para descobrir em Vila Nova de Gaia.

O Vozes de Gaia é um projecto do jornal PÚBLICO e da Fundação INATEL, tendo como investidor social a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, com dois objectivos primordiais: promover a literacia mediática e a educação para os media. Para que os cidadãos possam participar, apenas necessitam de cumprir os requisitos de terem 55 anos ou mais e residirem no concelho. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas a qualquer momento através do email vozesdegaia@publico.pt, ou no endereço https://vozesdegaia.publico.pt/inscricao/.

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