Das assimetrias à busca de consensos na Ibero-América

A Organização de Estados Ibero-Americanos, mais do que dar respostas, trabalha com interrogações como estratégia de discussão partilhada em cada contexto. Por exemplo: até que ponto os currículos estão atualizados na Ibero-América e que desafios enfrentam hoje em dia?

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DANIEL ROCHA/arquivo

A Ibero-América é uma região caracterizada pela incerteza e pelas profundas assimetrias entre os países, imperando divergências, seja pelas diferentes velocidades de crescimento, seja pelo modo de ultrapassar os efeitos sociais decorrentes da situação pandémica. Perante este cenário, Mariano Jabonero, da Organização de Estados Ibero-Americanos​ (OEI), argumenta que é necessário realizar reformas estruturais que assegurem o desenvolvimento equitativo, sustentado e orientado para o bem-estar.

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A Ibero-América é uma região caracterizada pela incerteza e pelas profundas assimetrias entre os países, imperando divergências, seja pelas diferentes velocidades de crescimento, seja pelo modo de ultrapassar os efeitos sociais decorrentes da situação pandémica. Perante este cenário, Mariano Jabonero, da Organização de Estados Ibero-Americanos​ (OEI), argumenta que é necessário realizar reformas estruturais que assegurem o desenvolvimento equitativo, sustentado e orientado para o bem-estar.

Nos indicadores dessas reformas são identificados vários fatores que devem ser tidos em conta. Na educação básica até aos 18 anos, registou-se a maior redução da atividade educativa presencial do mundo, com perdas significativas e duradouras de aprendizagens, e 40% dos alunos estiveram afastados das escolas devido à falta de conetividade que permitisse um ensino remoto de emergência ou enfrentaram situações de desescolarização, com impacto no seu futuro.

No ensino superior, verificou-se o abandono prematuro de estudantes, foi reduzida a mobilidade internacional e assistiu-se ao crescimento exponencial da educação virtual, sem que esta tenha passado por um processo de avaliação em termos de acreditação da sua qualidade.

Na cultura, muitos postos de trabalho foram afetados pela pandemia, ainda que se tenha verificado o crescimento da cultura digital e tenha sido reconhecido o valor político-económico da mesma.

Na ciência, destaque para a aceleração da produção científica, representando a Ibero-América 8,8% da produção mundial, para uma maior visibilidade pública da ciência e para uma maior pressão de trabalho em regime virtual, numa descontinuidade de ambientes presenciais de comunidades científicas.

Neste cenário, a OEI propõe quatro grandes eixos de cooperação num futuro próximo. O primeiro relaciona-se com a transformação digital da educação, não apenas no contexto da inclusão e da equidade, mas também na efetividade de uma educação híbrida em todas as etapas de educação e formação ao longo da vida. O segundo está orientado para a cidadania cultural, enquanto conceito que abrange direitos fundamentais para aprofundar o desenvolvimento da carta cultural ibero-americana como fator de coesão social. O terceiro direciona-se para a necessidade de partilhar dados de ciência e tecnologia em áreas estratégicas, bem como a de afirmar o desenvolvimento de novos indicadores de inovação, internacionalização e igualdade. Por último, o eixo da transição ecológica, através de políticas que articulem o desenvolvimento com as aspirações dos jovens, promovendo o seu bem-estar e sem colocar em causa as gerações futuras.

Ainda na transição digital da educação, a estratégia ibero-americana baseia-se num processo de mudança contínuo, com a finalidade de melhorar a qualidade da educação, numa utilização crescente, tanto de formas mistas de educação presencial e de educação virtual, em que são essenciais modelos híbridos e flexíveis de aprendizagem, quanto de uma educação cidadã, aberta à diferença e à multiculturalidade, num contexto de reformas curriculares urgentes.

Ao nível dessas reformas, porque o sentido imediato da inovação tem contribuído para a ausência de mudanças mais profundas nos sistemas educativos, sobretudo naquilo que é o currículo em termos de conhecimento, a OEI, mais do que dar respostas, trabalha com interrogações como estratégia de discussão partilhada em cada contexto. Por exemplo: até que ponto os currículos estão atualizados na Ibero-América e que desafios enfrentam hoje em dia? Os professores ibero-americanos são formados para ensinar as competências do século XXI? Como abordar a educação inclusiva nos currículos? Como evitar que a educação seja transformada numa querela política e que consequências isso tem para os sistemas educativos da Ibero-América? Como incentivar o trilinguismo (português, espanhol e inglês) na região da Ibero-América?

Numa breve referência a uma pesquisa apresentada pelo Instituto de Estudos Peruanos sobre o retorno às aulas presenciais, são identificados alguns desafios ao nível da educação, mais concretamente: maior autonomia assumida pelas escolas; mecanismos de educação virtual, com mudanças na formação de professores e na elaboração de materiais pedagógicos; valorização do bem-estar dos alunos; mais atenção prestada às dificuldades dos alunos em anos-chave de transição curricular; existência de uma maior confiança na escola, analisando-se os fatores que levam às desigualdades na educação; avaliação dos efeitos da pandemia em cada sistema educativo, para que esta situação possa ajudar a superar novas dificuldades; troca de experiências resultantes de medidas de governação.

Tal como a OCDE, a UNESCO e outras organizações, a OEI pode contribuir para uma ampla discussão, através de uma agenda orientada para uma mudança partilhada e sustentada, em que a educação, a cultura e a ciência sejam dimensões integradas e problematizantes de futuros em construção.


O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico