A incompreensão de se perder o pai na guerra

Uma prosa poética comovente que nos conta a história de uma menina que tem uma missão e um segredo. A literatura é isto.

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A história decorre durante a Primeira Guerra Mundial, mas poderia ser durante outra, com igual sofrimento. Explica a menina de cinco anos e meio logo no início do livro, num texto assinado por Capitão Rosalie: “Tenho um segredo. Todos pensam que estou a desenhar no meu caderno, sentada no banquinho debaixo dos cabides, ao fundo da sala de aula. Pensam que estou a sonhar, esperando pelo fim da tarde. Chamam-me Rosalie. E o professor passa por mim enquanto dita aos alunos. Faz-me uma festa na cabeça. Mas eu sou um soldado em missão. Espio o inimigo. Preparo o meu plano.”

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A história decorre durante a Primeira Guerra Mundial, mas poderia ser durante outra, com igual sofrimento. Explica a menina de cinco anos e meio logo no início do livro, num texto assinado por Capitão Rosalie: “Tenho um segredo. Todos pensam que estou a desenhar no meu caderno, sentada no banquinho debaixo dos cabides, ao fundo da sala de aula. Pensam que estou a sonhar, esperando pelo fim da tarde. Chamam-me Rosalie. E o professor passa por mim enquanto dita aos alunos. Faz-me uma festa na cabeça. Mas eu sou um soldado em missão. Espio o inimigo. Preparo o meu plano.”

Vive numa aldeia, longe da guerra, mas com a sua omnipresença: “Não tenho qualquer memória para lá da guerra. Era muito pequenina, antes de ela começar.”

Enquanto a sua mãe trabalha na fábrica de munições, o professor da escola dos mais velhos aceita que ela fique ao fundo da sala, para não passar o dia sozinha. É demasiado crescida para a ama. “O professor chega às sete da manhã. Só tem um braço desde que voltou da guerra. Mas sorri como se já fosse muito bom ter ao menos um. E poder estar ali, no silêncio da escola. — Sempre no teu posto, minha menina? Ele deveria chamar-me ‘meu capitão’ e bater os calcanhares, mas fico calada. Missão secreta. Ninguém deve suspeitar de nada.”

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Isabelle Arsenault

Ao fim da tarde, a mãe vai buscá-la e à noite lê-lhe as cartas do pai. A menina desconfia de que a mãe não lê exactamente o que lá está. “E vejo bem que a minha mãe continua a ler ainda durante muito tempo, apesar de só haver uma única página escrita no envelope. Vejo bem que ela não pára nem mesmo quando a vela do quarto se apaga.” A única coisa que lhe parece verdadeira são os desenhos do pai, a representar a paisagem e os soldados escondidos nos buracos.

Na noite do aniversário de Rosalie, a carta que foi entregue lá em casa não era do pai, mas sobre o pai. A mãe não tem coragem de revelar a verdade à menina, mas ela intui o que se passou. “No dia seguinte, vejo que nada voltará a ser como dantes. Um envelope azul na cozinha. Impossível encontrar o olhar da minha mãe. Esquiva-se quando me aproximo. Fala depressa, baixando a cabeça. Já pus o meu gorro de lã e o casaco. Olho para ela. Está inquieta como se estivesse atrasada, mas não se mexe. Por fim, pega no envelope e fá-lo desaparecer.”

Rosalie acabará por encontrá-lo mais tarde. E ela já sabia ler, aprendera durante os dias que passava na escola sem que ninguém desse por ela nem por nada.

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Isabelle Arsenault

Um livro tocante e triste, mas revelador de uma grande coragem de mãe e filha e da solidariedade e amizade que as situações difíceis conseguem gerar. Mais ainda durante uma guerra.

O autor do texto, Timothée de Fombelle, é francês, professor de Literatura, dramaturgo e autor premiado de livros para jovens. Aqui demonstra bem o seu talento e sensibilidade.

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As ilustrações estão de acordo com o ambiente descrito, não apenas nas cores (um laranja quente nos cabelos e fogo, em contraste com os cinzas e o negro), mas na forma como os elementos se dispõem, ampliando a ternura das relações entre as personagens.

Poesia visual característica de Isabelle Arsenault, uma das mais reconhecidas ilustradoras canadianas e bastante premiada. A subtileza também a acompanha.

Capitão Rosalie cumpriu a sua missão. Pacífica.

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