As preocupações da Maçonaria para 2022

Torna-se cada vez mais difícil encontrar quem defenda ainda os valores inalienáveis dos direitos humanos, da decência e urbanidade, do respeito entre as nações, do bom senso das instituições e da solidariedade.

Começamos o novo ano ainda sob a sombra de uma pandemia que tem sido mais feroz, mais prolongada e mais devastadora do que antes se previa para a humanidade e que paralisou sectores económicos inteiros e encerrou empresas, lançando milhões no desemprego e retirando a vida aos que nos são próximos.

Faz agora um ano que enviei, numa comunicação aos mais de 3500 maçons que integram a Grande Loja Legal de Portugal-Grande Loja Regular de Portugal, uma nota de esperança no início do processo de vacinação contra a covid-19. Um ano depois, não devemos ignorar que a vacina pode não resolver tudo e que ainda há muitas incertezas e um desconhecimento da comunidade científica que o aumento rápido de variantes do SARS-CoV-2 com múltiplas mutações trouxe à evidência.

Mas temos de acreditar que os preceitos são verdadeiros, e que o esforço do processo de vacinação resultará na esperança feita realidade, e que, em breve, as pessoas esclarecidas vencerão mais um turbilhão de ignorância e de incerteza, como este que nos assola e desperta acrescidas preocupações.

Na verdade, é com toda a propriedade que recorro à palavra “preocupações”, porque é infelizmente disso que se trata. Preocupações essas que extravasam, muitas delas, a nossa realidade nacional e se prendem com os acontecimentos que se estão a desenrolar à escala global, embora possam passar despercebidos a muitos, por razões aliás naturais e que se prendem com aquilo que afeta mais diretamente o quotidiano de cada um.

Com efeito, começamos agora a sentir verdadeiramente os efeitos provocados pela pandemia e que vão além da área da Saúde; o encerramento de atividades económicas, os despedimentos e as falências ocorridas após o terminar do período das moratórias. E, em simultâneo, assistimos à subida sem precedentes dos preços da energia, à disrupção da cadeia produtiva e à inflação. Escasseiam bens e matérias-primas e aumentam os preços das que ainda estão disponíveis.

Esta retração provoca populismos, nacionalismos e egoísmos, de pessoas, organizações, instituições, Estados e governos, criando uma forte crispação nas relações e comportamentos. Uma situação muito perigosa para a estabilidade e a paz mundiais, num mundo onde os mais ricos ou fortes tendem a impor as suas decisões ou a criar fatos consumados em proveito próprio e claro, em desrespeito ou prejuízos dos mais fracos e desfavorecidos.

Esta situação faz com que os governos enveredem por caminhos restritivos que frequentemente levam a sentimentos de xenofobia, autodefesa e reforço dos arsenais bélicos, fruto de receios dos vizinhos ou de potências vistas como adversárias.

Basta fazer leituras atentas sobre o rearmamento acelerado mundial em muitas zonas geográficas do planeta, com países a produzir ou a adquirir, em massa, armas e equipamentos cada vez mais destrutivos.

Já não parece haver respeito ou limites, nem organizações internacionais capazes de suster esta escalada. E sucedem-se os avisos, as picardias, as ameaças, as escaramuças e as quase confrontações que, a ocorrerem de fato, irão acelerar a destruição planetária.

Torna-se cada vez mais difícil encontrar quem defenda ainda os valores inalienáveis dos direitos humanos, da decência e urbanidade, do respeito entre as nações, do bom senso das instituições e da solidariedade.

E porquê esta perda de valores tão acentuada e rápida? Por várias razões, sendo a primeira delas o crescente pendor materialista da Humanidade, ávida de um consumismo rápido e vazio que só pode ter um desfecho: o enfraquecimento da espiritualidade na qual assentam todos os valores que catapultaram o ser humano para o conhecimento e a sabedoria.

A acrescentar a tudo isto, temos ainda a complexa crise climática, com a enorme e global poluição do ar, dos oceanos e dos recursos aquíferos, com tremendas consequências para todos os seres vivos do planeta, levando à extinção de muitos deles, em apressada temporalidade.

Decorreu recentemente, na Escócia, a cimeira climática mundial, onde a globalidade dos líderes aí discursou e até assinou documentos apropriados à melhoria do ambiente mundial no planeta. Todavia, os mares estão repletos de plásticos e os peixes infetados com uma miríade de poluentes, os recursos aquíferos continentais diminuem e parte deles estão toldados de poluição, com a subsequente extinção de espécies vulneráveis, o ar das cidades e até dos campos acumulam um sem número de agentes poluidores, com as decorrentes e inevitáveis doenças e os campos agrícolas estiolam por causa da seca ou das cheias inopinadas e, ainda pior, no âmbito da agricultura intensiva, sujeitas a químicos e fertilizantes que não só poluem como matam a flora e fauna necessárias à polinização.

Do somatório de tudo isto parece óbvio que nos encontramos no limiar do abismo e que é urgente arrepiar caminho. E nós, maçons, sempre que o perigo rondou a Humanidade, levantámo-nos para alertar as pessoas e chamar a atenção de todos aqueles que podem e devem fazer a diferença.

Parafraseando Frei Fernando Ventura, numa declaração recente à nossa revista Grande Loja: “Podemos não poder mudar o mundo, mas podemos mudar o mundo de alguém. Não podemos tirar a fome do mundo, mas podemos tirar a fome de alguém”. É em tempo de crise que podemos e devemos fazer a diferença, tendo sempre por referência a defesa do bem comum, da equidade, da dignidade de todo o ser humano e da paz. O ano de 2022 começa sombrio. Mas, se acreditarmos que não estamos sozinhos e agirmos sob um objetivo comum, ainda há esperança de que o ano termine de uma forma mais auspiciosa do que aquela com a qual se inicia.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 2 comentários