Um ano de transição

Quando se esperava que o ano de 2021 fosse de recuperação, porque estava aprovado o quadro dos planos de recuperação e resiliência, cai uma nova vaga e ainda mais outra vaga da pandemia. Isto acabou por travar o crescimento económico e social. O que se passou na Europa ocorreu em Portugal.

Este ano que termina é um ano muito estranho. Eu diria que é um ano de transição.

É um ano de transição no mundo. Em rigor, só este ano é que a Administração Biden começou a ser a Administração Biden, mas condicionada pelo trumpismo como corrente sociológica de opinião e condicionada pelo equilíbrio no Congresso e a aproximação de eleições de meio mandato no final do ano que vem.

É também de transição para a China, depois da pandemia e da recuperação económica, que foi mais lenta do que se previa e virada sobretudo para o mercado interno.

Foi também de transição para outras potências emergentes: a Índia com a pandemia e o arranque económico diferido; a África do Sul com a pandemia e as consequências económicas e sociais. Já não falo na Federação Russa e na sua presença nas áreas regionais em que tem uma posição muito significativa.

E é um ano de transição para a Europa. Em rigor, o ciclo político europeu começou muito atrás. Começou na transição de 2019 para 2020, mas caiu-lhe em cima a pandemia e o ano de 2020 foi, para a Europa, um ano de pandemia e de crise económica e social.

Quando se esperava que o ano de 2021 fosse de recuperação, porque estava aprovado o quadro dos planos de recuperação e resiliência, cai uma nova vaga e ainda mais outra vaga da pandemia.

E essa aventura durou até agora.

Primeira dose, segunda dose, terceira dose. Agora fala-se de uma quarta dose ou porventura uma nova realidade que não é exatamente a quarta toma, é uma toma por causa da Ómicron.

E isto transformou a vida do mundo, fechou fronteiras, depois condicionou fronteiras, acabou por, de alguma maneira, travar o crescimento económico e social. O mesmo se passou na Europa e o mesmo ocorreu em Portugal.

Em Portugal, tivemos um ano assinalado por um começo de vaga mais grave do que as vagas de 2020. Em plena vaga, eleições presidenciais de experiência inédita – fazer campanha eleitoral e chegar ao ato eleitoral no mesmo momento em que a vaga se aproximava do seu cume. Como se não bastasse uma eleição, no fim do ano eleições autárquicas, e, depois da não aprovação do Orçamento de Estado, convocação de eleições legislativas para 30 de janeiro de 2022. Nas eleições que já começaram em 2021.

Tivemos, portanto, um ano de transição com eleições presidenciais, eleições autárquicas e o começo de eleições legislativas. Pelo meio um Orçamento que não passou, pelo meio uma pandemia e uma crise económica e social que durou praticamente até ao verão e o recomeço de atividade a que se assistiu, incluindo o próprio turismo, apenas a partir de julho/agosto, com uma quebra ligeira em novembro, aquando da chamada nova vaga da pandemia.

Portanto um ano de transição. Transição na vida das pessoas, transição na vida das instituições, transição no sistema político, transição na economia, transição na sociedade.

De todas as transições quais são aquelas que porventura são as mais preocupantes?

Eu diria as sociais e as mentais, ou se quiserem as sociais e as sanitárias.

As sociais: porque a recuperação económica, por lenta que seja, será sempre mais rápida do que a recuperação social. Não se entra em pobreza agravada e se sai instantaneamente. Não se passa de risco de pobreza a pobreza declarada e se sai instantaneamente. Não se perde uma série de projetos de vida, ou se adia, ou se congela, e se recomeça instantaneamente.

Isso não existe.

E por isso, temos aí a necessidade de olhar para os mais vulneráveis, os mais idosos, os cuidadores informais, os sem-abrigo, mas também aqueles que perderem o emprego ou que reformularam os empregos. E embora os valores de desemprego estejam longe de ser aquilo que se suporia atendendo à crise económica, o que é facto é que a vida de muitas portuguesas e muitos portugueses mudou radicalmente.

A outra preocupante transição é a sanitária e dentro dela a mental.

Claro que a questão sanitária toda ela é grave. Porque para acorrer à pandemia, ao vírus, houve que atrasar o que seria uma marcação, o que seria uma consulta, o que seria uma cirurgia. E não é uma, são milhares, de milhares, de milhares.

Mas o que não está devidamente medido é o efeito da pandemia na saúde mental das pessoas.

Nos mais jovens: telescola, escola presencial, telescola, escola presencial, fecho mais cedo ou recomeço mais tarde. Mas depois nas famílias, nas comunidades, nos clubes, nas associações, na sociedade civil, o que isso mexeu com as pessoas, o que isso descompensou as pessoas.

E por isso, sendo o ano que por aí vem um ano de inúmeros desafios, também entre nós esse desafio da saúde mental não pode ser esquecido.

A saúde mental tem sido tempo demais o irmão pobre da saúde em Portugal.

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