A bolha do arquitecto

Importa entender que um bom arquitecto não é necessariamente um bom gestor e que o problema não está dentro da bolha, mas na bolha em si, na sua existência e dilatação no tempo. Terá de se deixar de discutir apenas a nossa “arte” entre um grupo muito restrito e começar a falar de arquitectura com o público, para o público.

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Redd/Unsplash

O desenho, a geometria, a luz, a matéria, o ambiente que se pretende criar. Estes desafios fazem com que o arquitecto ambicione ser o criador da sua obra, numa relação romantizada com a arquitectura e os estímulos intelectuais que se produzem durante o desenvolvimento de um projecto.

Em Portugal, esta visão é incentivada na faculdade, tornando-se um meio extremamente subjectivo e algo pretensioso, no qual acaba por tratar-se o arquitecto e a obra como se fossem a extensão um do outro, indissociáveis. Naturalmente, começa a criar-se uma bolha de tendências e ídolos, impulsionada por esta romantização da arquitectura e colocando num pedestal determinados arquitectos.

No final de cinco anos de curso, o recém-formado tem condições para integrar um atelier de arquitectura e fazer um estágio de 12 meses de acesso à Ordem dos Arquitectos. Ao procurar trabalho, o jovem apercebe-se que os grandes arquitectos que estudou durante a faculdade e que admira, na melhor das hipóteses oferecem-lhe um estágio através do IEFP, no qual o Estado paga 70% da remuneração total. Caso contrário, as ofertas descem para valores abaixo do salário mínimo, a recibos verdes ou mesmo não remuneradas. Estas condições são transversais a uma grande maioria dos ateliers de arquitectura em Portugal. Após o estágio, é natural estes jovens arquitectos saírem do atelier, dando lugar a novos estagiários, ou ficarem com salários que não suportam a sua independência.

Esta conjuntura não é exclusiva à arquitectura e os seus motivos não deverão ser afastados do contexto económico nacional. No entanto, a surpresa está no facto de a “bolha de ídolos” que se cria durante o curso superior, e que é incentivada no mundo profissional, acabar por embater num contexto de empresas frágeis que não estão capazes ou dispostas a oferecer pouco mais do que um salário mínimo. Isto revela um desfasamento entre a visão romântica do arquitecto-criador e a prática profissional, na qual estruturar uma empresa e estabelecer postos de trabalho estáveis são condições mínimas para que os novos arquitectos possam ficar em Portugal.

Por outro lado, esta bolha é alimentada pelos próprios arquitectos, acabando por mistificar a profissão e afastá-la da compreensão do público em geral. A título de exemplo, poderá apontar-se a efémera marquise de Cristiano Ronaldo, um problema tão mediático como irrisório no contexto do trabalho em arquitectura, expondo a falta de contacto do público com a área. A falta de comunicação reduz substancialmente o número de pessoas que estão dispostas a pagar bem a um arquitecto. É fundamental reverter este paradigma, melhorar a comunicação com o público e envolver os clientes no processo de projecto arquitectónico, mostrando-lhes a pertinência da profissão.

Não é objectivo encontrar um culpado para estes problemas, até porque serão vários, senão todos os intervenientes. Importa entender que um bom arquitecto não é necessariamente um bom gestor e que o problema não está dentro da bolha, mas na bolha em si, na sua existência e dilatação no tempo. Terá de se deixar de discutir apenas a nossa “arte” entre um grupo muito restrito e começar a falar de arquitectura com o público, para o público. Pensar como poderemos melhorar o serviço que se presta ao cliente e como desenvolver empresas de arquitectura que sejam economicamente sustentáveis, com modelos de negócio que potenciem a qualidade do serviço prestado. Só assim sairemos da precariedade, só assim sairemos da bolha.

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