Eduardo persegue barragens para as guardar em fotos e desenhos, antes que se extingam

O arquitecto chileno Eduardo Corales está a construir um arquivo audiovisual de barragens portuguesas, antes que desapareçam. “As próximas infra-estruturas a ser desactivadas poderão ser as barragens, para dar espaço a novas formas de energia sustentável.”

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Eduardo Corales
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Eduardo Corales

As barragens também falam, têm expressão. Foi o que descobriu Eduardo Corales quando percorreu Portugal para catalogar as maiores barragens do país, do Alqueva a Castelo de Bode. Grandes obras arquitectónicas que servem a indústria das energias renováveis, e sobre as quais nunca foi feito um arquivo audiovisual. “É importante fazer já este registo, não sabemos se as barragens cumprirão em breve o seu ciclo de vida e serão desactivadas.”

Ao contrário do que acontece noutros países, como França, Espanha ou Suécia, em Portugal não existe ainda um plano nacional de desactivação de barragens. Os rios portugueses têm cerca de oito mil barreiras e 258 são grandes barragens: para irrigação, abastecimento público ou produção de energia.

Barragem do Alto Rabagão, no município de Montalegre, Vila Real. Eduardo Corales
Imagem de arquivo da Fundação EDP da barragem do Alto Rabagão. Eduardo Corales
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Barragem do Alto Rabagão, no município de Montalegre, Vila Real. Eduardo Corales

A quantidade de barragens no país, que “não se explica apenas por questões geográficas”, chamou a atenção de Eduardo. “Têm um carimbo de poder político, até hoje. O que acontece agora é que muitas estão a cumprir o seu ciclo de vida.” A história da industrialização, acrescenta, é assim mesmo: são estruturas com prazo de validade. “A nossa percepção sobre o seu impacto na natureza, na paisagem, no território muda. Tornam-se vulneráveis, ou simplesmente deixa de justificar-se a sua existência.”

Talvez as barragens sigam, assim, o mesmo destino que as centrais termoeléctricas, que, a pouco e pouco, são desactivadas. “É provável que daqui a uns anos deixemos de falar sobre centrais termoeléctricas. Se nos guiarmos pelo seu impacto ambiental, as próximas infra-estruturas a ser desactivadas podem ser as barragens, para dar espaço a novas formas de energia sustentável”, acredita o arquitecto chileno.

Neste momento de antecipação do que será o futuro da energia, Eduardo interessou-se por fazer o retrato de uma época que terminará, mas tem “valor industrial, patrimonial e arquitectónico”. Contudo, não o fez sem olhar ao seu redor e interpretar as modificações que as barragens impõem ao território onde são construídas. Foi essa, aliás, a sua primeira motivação: a forma “inigualável como alteraram Portugal.

“Os arquitectos tiveram uma influência importante na construção de bairros operários junto às barragens, por exemplo.” Durante a edificação destas infra-estruturas foram feitas habitações para os trabalhadores da actual EDP, enquanto outras aldeias desapareceram, submersas ou abandonadas, para que nos seus terrenos se erguessem centrais hidroeléctricas.

Com este trabalho de arquivo e investigação, Eduardo Corales, há cinco anos a viver em Portugal, espera conseguir mostrar uma vertente social e política da construção de barragens e ilustrar um modo de deformação do território que acentua contrastes: entre meio rural e urbano; o edificado e o orgânico; o indomável e o controlável.

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Arquivo de fotografias de barragens portuguesas para o projecto PowerPoint, de Eduardo Corales. Eduardo Corales
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Desenhos das plantas das barragens portuguesas, feitos pelo arquitecto Eduardo Corales. Eduardo Corales

“A partir do Alqueva, por exemplo, a agricultura no Alentejo alterou-se. Acho fascinante como um elemento, uma parede, consegue mudar tanto um espaço, ter uma influência de tal dimensão num país.” O seu interesse por sustentabilidade e por acompanhar os próximos passos a dar na produção de energia, diz, chegou por acréscimo, já embrenhado neste projecto de doutoramento a que chamou PowerPoint.

Este inventário gráfico e audiovisual, apoiado pela EDP e DGArtes, ficará, de acordo com o plano, disponível online para que qualquer pessoa o possa consultar, e conhecer estas bacias gigantes  além do nome. É um projecto de Eduardo Corales, mas também do Campo Arquitectura, o atelier que fundou com Diana Menino. “A minha prioridade é registar e dar a conhecer uma das infra-estruturas essenciais para sustentar o nosso estilo de vida, o nosso trabalho e entretenimento, mas da qual, paradoxalmente, temos poucas imagens.”

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