EKUI: como é que um baralho de cartas pode ajudar a aprender o alfabeto

Aprender a ler e a escrever é, para muitas crianças, um dos primeiros desafios a superar em idade escolar e, com o uso das máscaras, o processo de aprendizagem pode tornar-se mais complicado.

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O novo ano lectivo arrancou este mês e a máscara é ainda um dos objectos que não pode faltar no regresso às aulas. Contudo, não é só a entrada do vírus que a máscara dificulta, mas também a aprendizagem, sobretudo a assimilação das palavras por parte dos mais novos. Ao longo do último ano, muitos professores queixaram-se de problemas de comunicação com os alunos e acreditam que o uso prolongado da máscara pode ter como consequência atrasos na fala dos mais novos, alerta Celmira Macedo, professora de Educação Especial, que propõe uma metodologia nova para ajudar os mais novos a aprender a ler.

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O novo ano lectivo arrancou este mês e a máscara é ainda um dos objectos que não pode faltar no regresso às aulas. Contudo, não é só a entrada do vírus que a máscara dificulta, mas também a aprendizagem, sobretudo a assimilação das palavras por parte dos mais novos. Ao longo do último ano, muitos professores queixaram-se de problemas de comunicação com os alunos e acreditam que o uso prolongado da máscara pode ter como consequência atrasos na fala dos mais novos, alerta Celmira Macedo, professora de Educação Especial, que propõe uma metodologia nova para ajudar os mais novos a aprender a ler.

"Eu primeiro leio e depois escrevo, mas antes disso eu tenho de ouvir bem”, esclarece a também investigadora da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Católica de Braga. “Os primeiros seis anos são fundamentais para aprender a ler e a escrever bem, mas quando temos uma máscara, as habilidades linguísticas e até as sociais caem”, diz a professora, acrescentando que pedir a uma criança para não interagir com outras é, desde logo, “antinatura”. 

Para a mesma, a pandemia levou a um retrocesso na aprendizagem da fala das crianças e ainda mais para os alunos surdos ou autistas, para quem compreender os restantes já era uma dificuldade. “A máscara abafa determinados sons parecidos, como o e x, o b e p e prejudica as habilidades auditivas e a discriminação sonora dos pequenos.” 

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Celmira Macedo, a professora doutorada em Educação Especial, que desenvolveu de raiz a metodologia EKUI. EKUI

Foi a pensar nas crianças que sentem mais dificuldades em aprender e consolidar o alfabeto, que a Celmira Macedo criou, em 2015, a metodologia EKUI — Equidade, Knowledge, Universalidade, Inclusão, quando trabalhava com alunos que tinham necessidades especiais. “Comecei a perceber que não existia nenhuma ferramenta que incluísse a componente do Braille e a Língua Gestual Portuguesa, que são úteis não só para os cegos e surdos [respectivamente], mas para todos os outros, já que usar as mãos é tê-las como pista visual para algo abstracto que são as letras”, explica a investigadora. 

Ao perceber que era possível “ler com as mãos”, desenhou um baralho de cartas multissensorial que representa toda as letras, de A a Z, não só de forma gráfica, como gestual, em Braille e foneticamente. “Imagine que tenho um aluno cego e disléxico na mesma sala, com uma só carta consigo ensinar aos dois, tanto com os pontos, com as mãos, com a boca”, esclarece a professora. Durante a pandemia e com os professores com as caras tapadas, a EKUI lançou uma nova versão digital, em formato de aplicação gratuita, que permite reproduzir em vídeo como se pronunciam os sons das palavras. 

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Catarina Guilherme, professora do 3.º ano, foi uma das profissionais que aplicou na sala de aula a metodologia pensada por Celmira Macedo. “Os miúdos começaram a responder logo muito bem e num curto período de tempo. Consegui alcançar os domínios que pretendia mais rapidamente do que estava à espera”, assegura. Já Adélia Madureira, também professora do 1.º ciclo, com três alunos autistas sob a sua responsabilidade, afirma que toda a turma aderiu com bastante entusiasmo à tecnologia. “Eles ficaram muito contentes e agora até conseguem comunicar, entre si, em língua gestual, que é uma ferramenta que fica para a vida.” 

As duas docentes fazem parte de um grupo de sete mil profissionais que já receberam formação dinamizada pelo projecto EKUI, que quer tornar o ensino português num ambiente mais inclusivo, algo que está preconizado no papel, mas longe de se concretizar na teoria, lamenta Celmira Macedo. “Os professores portugueses são dos que têm menos formações na área de educação especial. Apesar de terem vontade de ensinar de forma diferente, não sabem implementar estratégias inclusivas e não conhecem as metodologias”, explica a investigadora.


Texto editado por Bárbara Wong