Devolver a cidade aos cidadãos? Sim, em 15 minutos

Construir cidades em que tudo se situa à distância de 15 minutos a pé ou de bicicleta não é uma utopia e Paris que o diga. Carlos Moreno, o criador do conceito, esteve em Lisboa a encerrar a Velo-city 2021 e explicou como se faz.

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Leonor Patrocínio / Dário Paraíso
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Caroline Cerfontaine, directora da Velo-city 2021 Leonor Patrocínio / Dário Paraíso
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“Estrela pop do urbanismo e das cidades” foi como a jornalista Catarina Carvalho apelidou Carlos Moreno, investigador de renome internacional, especialista em urbanismo e professor na Universidade de Paris 1, quando o apresentou como orador no plenário de encerramento do Velo-city 2021, evento dedicado à mobilidade em bicicleta, que decorreu em Lisboa entre os dias 6 e 9 se Setembro. A designação assenta-lhe como uma luva – Carlos Moreno é provavelmente o urbanista mais famoso do momento – e, por isso mesmo, não haveria quem, entre os participantes, não o conhecesse. Afinal, em causa está o criador do famoso conceito da “cidade de 15 minutos”, segundo o qual tudo numa cidade – desde as escolas aos serviços de saúde, passando pelos locais de trabalho - deve estar organizado de forma a não distar mais de 15 minutos a pé ou de bicicleta a partir de casa. E se isto lhe parece impossível, então fique a saber que em Paris este conceito já está a ser aplicado, tendo a ideia sido uma boa ajuda para que Anne Hidalgo, presidente da câmara da capital francesa, fosse reeleita.

Foi precisamente para explicar o conceito e partilhar como o mesmo pode ser passado da teoria à prática, que Carlos Moreno participou na sessão de encerramento, subordinada ao tema “Repensar as cidades: mobilidade em bicicleta como o novo normal”. O especialista referiu que o combate às alterações climáticas através da redução das emissões foi um dos factores que esteve na origem do conceito, sendo que “desde Janeiro de 2020, o projecto sofreu um forte impacto devido à crise pandémica”, o que leva Carlos Moreno a considerar que “a convergência da crise climática com a Covid-19 é uma situação dramática, mas ao mesmo tempo uma grande oportunidade para transformar as nossas cidades, para alterar a narrativa urbana e para introduzir um novo estilo de cidade no tecido social”.

“Humanismo urbano” é como define aquilo de que todos precisamos neste momento, já que “necessitamos de melhorar a qualidade de vida”. Nesse sentido, surge a cidade de proximidade, que também designa por “cidade sustentável”, na qual têm de convergir três dimensões: “Uma atitude ecológica, uma atitude económica positiva para combater a pobreza e ainda um impacto social positivo, que combata o racismo e as desigualdades.”

Como evitar a gentrificação?

“A cidade de 15 minutos é uma via para os decisores políticos, para o poder local, mas, ao mesmo tempo, temos se construir um ecossistema poderoso com o sector privado, com as associações de cidadãos; precisamos de construir um movimento global em toda a cidade com vista a transformá-la”, afirmou, identificando a necessidade de todos desenvolverem o que designa por topofilia, isto é, o amor pelo lugar, neste caso, pelo lugar onde vivem. Carlos Moreno falou ainda da importância do crono-urbanismo, isto é, da organização das cidades em função do tempo e não do espaço. Quinze minutos passa a ser, pois, a medida do tempo, e a bicicleta uma poderosa ferramenta para cumprir o objectivo.

Como é que isto se concretiza na prática? Em Paris, por exemplo, o especialista contou que nos próximos quatro anos a avenida dos Campos Elísios passará das actuais 12 faixas destinadas a carros para quatro e “o resto do espaço será reconquistado para as pessoas”. Com esta transformação, verifica-se também que, agora, as escolas estão abertas muito mais tempo, incluindo aos fins-de-semana, para actividades não apenas didácticas. Da mesma maneira, decidiu-se criar as “ruas das escolas”, ou seja, ruas que passam a estar fechadas ao trânsito, para banir a presença de carros nas redondezas dos recintos escolares.

Quanto à gentrificação, que é um dos principais desafios das cidades actuais – e também do próprio conceito - o urbanista esclareceu que para a evitar “temos de criar emprego local, incentivar o comércio local”. Nesse sentido, “a cidade de Paris lançou diferentes ferramentas administrativas e financeiras para implementar emprego local”. Mas Paris é apenas uma cidade a fazer este percurso que, segundo Carlos Moreno, está já a ser percorrido por um total de 40 cidades de todo o mundo, nomeadamente, Milão (Itália), Otava e Montreal (Canadá) ou Buenos Aires (Argentina). A terminar, deixou o desafio a Lisboa para se juntar ao movimento, tendo sublinhado que “até agora aceitámos o inaceitável. Precisamos de mudar o ritmo da cidade”.

Territórios de 30 minutos

Já na fase de debate, Elke Van den Brandt, ministra da Mobilidade, Obras Públicas e Segurança Rodoviária da região de Bruxelas-Capital (Bélgica) – que se trata de uma cidade de dez minutos, como explicou a responsável - identificou um dos desafios que este tipo de cidades acarreta e que se prende com a tendência para algumas pessoas acabarem por não sair do seu bairro. Carlos Moreno concordou, razão por que para Paris, por exemplo, foi acrescentado o conceito de “território de 30 minutos”, destinado a “combinar a proximidade no hipercentro com a vida descentralizada”, o que dá origem ao que designa por “cidades policêntricas”.

Ao longo do debate, Elke Van den Brandt deu ainda conta de como o espaço urbano está a ser reclamado activamente pelos cidadãos em Bruxelas, concluindo que “desbloqueámos a ideia de que podemos recuperar a nossa cidade novamente; não temos de aceitar que vivemos numa cidade projectada para receber carros”.

Com o painel totalmente alinhado na defesa da bicicleta como a ferramenta mais eficaz para garantir um desenvolvimento urbano sustentável, Jeremy Yap, representante da direcção executiva da Land Transport Authority, participou através de videoconferência a partir de Singapura e resumiu na perfeição o pensamento dominante: “Se armarmos as bicicletas para a defesa da cidade verde, podemos ser agentes de mudança.” Isso mesmo é o que tem vindo a ser feito na cidade de Bogotá (Colômbia), tendo sido transmitida na sessão uma mensagem em vídeo da presidente da câmara, Claudia Lopez, a dar conta dos progressos. “Bogotá tem uma abordagem ambiciosa para uma mobilidade sustentável”, referiu, acrescentando que a rede de ciclovias tem vindo a aumentar progressivamente. “No ano passado, 84 quilómetros foram acrescentados como resposta à Covid-19, sendo que esta estrutura ajudou a aumentar o interesse pelo ciclismo”, revelou, sublinhando que actualmente estão disponíveis mais de 580 quilómetros de ciclovias na cidade.

O momento é agora

A participar também na discussão, Janez Koselj, vice-presidente da Câmara Municipal de Liubliana (Eslovénia) – cidade que acolherá a edição de 2022 do Velo-city - reforçou a importância do ciclismo para a sustentabilidade das cidades, defendendo que “o único futuro para as cidades é o ciclismo urbano. Acredito que este é o momento em que as cidades precisam de adoptar o ciclismo urbano, pelo que em Liubliana estamos a lutar por isso”.

O momento é este também porque vivemos um tempo marcado pela pandemia, como deixou claro Karen Vancluysen, secretária-geral da rede POLIS: “A Covid-19 ofereceu-nos uma grande caixa de areia para nela brincarmos e isto pode até ter contribuído para melhorar as nossas condições de habitabilidade.”

Já na cerimónia de encerramento, Jill Warren, CEO da Federação Europeia de Ciclistas (ECF, na sigla em inglês), reforçou que “não há forma possível de atingir os objectivos de desenvolvimento sustentável, o Acordo Verde Europeu ou conseguir cidades neutras para o clima sem um significativo aumento do ciclismo”.

Miguel Gaspar, vereador com o pelouro da Mobilidade na Câmara Municipal de Lisboa, não só concordou com tudo o que Jill Warren afirmou, como ainda a desafiou a “tornar o seu discurso num manifesto”, prontificando-se a ser “o primeiro a assinar”. A terminar, deixou ainda clara a urgência da mudança: “Não temos tempo para mudar na velocidade que necessitamos. Precisamos de agir agora. Não tenham medo de mudar.”

Liubliana em 2022

A sessão terminou com a transferência simbólica do Velo-city para a cidade anfitriã do próximo ano, Liubliana (Eslovénia), tendo Jill Warren, oferecido a Janez Kozelj a bandeira do evento, afirmando que “mudança é uma palavra-chave associada à próxima Velo-city, em Liubliana”. O fecho do evento ficou a cargo de Henk Swarttouw, presidente da ECF.

Desenho de cidades e fundos da UE

Mesmo no último dia de Velo-city, o ritmo de debates foi intenso e muitos foram os temas discutidos com interesse, gerando trocas de ideias vibrantes. Entre os assuntos em análise estiveram o desenho de cidades com inclusão de género, partilha de bicicletas, fundos da União Europeia para a mobilidade em bicicleta, advocacia, bicicletas de alto impacto e bicicletas cargo, entre muitos outros.