Rússia
São eremitas urbanos em Moscovo e “vivem as suas vidas na Internet”
Vivem numa grande metrópole, mas saem de casa apenas uma ou duas vezes por ano. Os eremitas urbanos que a fotógrafa russa Natalja Ershova retratou "são todos muito diferentes, mas têm uma coisa em comum: vivem as suas vidas na Internet".
Durante o período de confinamento, muitos cidadãos de todo o mundo tornaram-se, por força das circunstâncias, eremitas urbanos. Viktor, Anatoly, Svetlana, Yelizaveta, Peter, Olga, Michael, Mikhail, Eugene, Alyona, Kristina, Anna e Eliza, porém, já o eram há muito tempo, em 2017, quando a fotógrafa russa Natalja Ershova os retratou para o projecto Journey to the Edge of the Room. "Actualmente, muitos continuam em reclusão", garante. "Mas não todos. Infelizmente, o Viktor faleceu. A Olga emigrou." O projecto, recentemente nomeado finalista do prémio Felix Schoeller, retrata pessoas que vivem em reclusão. "A maioria trabalha em casa, outros são sustentados por familiares", refere a fotógrafa, em entrevista ao P3. "São todos muito diferentes, mas têm uma coisa em comum: vivem as suas vidas na internet."
Ershova entrevistou todos os retratados. "A maioria apontou [como factores motivadores para a reclusão] o facto de não gostar de multidões, andar em transportes públicos e engarrafamentos. Os empregos permitem-lhes trabalhar remotamente e, por isso, escolheram essa via. Podem ir onde quiserem, mas saem muito raramente; talvez uma ou duas vezes por ano."
Os perfis destes eremitas urbanos são dos mais variados. "O casal, Yelizaveta e Peter, começa o dia com exercícios de ioga", descreve a fotógrafa de 30 anos. "As duas colegas de casa, Anna e Eliza, acordam tarde e passam o dia a produzir joalharia. Um dos rapazes só se levanta quando os gatos que acolheu da rua o despertam. A primeira coisa que faz é cuidar deles."
Apesar do efectivo isolamento físico, nem todos se sentem sós. "Alguns têm imensos amigos, mas só comunicam com eles online ou dentro da própria casa, quando são visitados." A solidão, porém, também afecta alguns dos eremitas urbanos que Ershova fotografou. Eugene, por exemplo, afastou-se da vida social por sentir que não era compreendido ou aceite. "Não me arrependo porque gastava demasiada energia a tentar combater estereótipos e atitudes negativas que recaíam sobre mim", contou a Ershova, em entrevista.
Por alguns destes eremitas terem algum grau de fobia social, nem sempre foi fácil ir ao seu encontro munida de uma câmara fotográfica. "Para alguns, foi um verdadeiro desafio abrir a porta de casa para me receber. Nem todos acederam. Mas outros até gostam de receber visitas, embora nunca saiam de casa."
A fotógrafa, que dedicou oito meses só ao registo destas realidades domésticas, sente que a tendência para o isolamento está a agudizar-se nas grandes cidades, sobretudo devido ao impacto da pandemia de covid-19. "Muitas pessoas, na Rússia, passaram a realizar teletrabalho e não sentem pressa de regressar aos escritórios." Esses não serão eremitas, na esmagadora maioria, porque continuarão a frequentar o espaço público, mas terão transferido grande parte da sua vida para a esfera virtual.