E se a acção climática implicasse colocar o ser humano novamente na Lua?

A complexidade da ação climática implica a co-construção de uma estratégia de futuro que não deve ser definida apenas por peritos. E o passado dá-nos algumas propostas de como o fazer.

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O aumento exponencial de eventos climáticos extremos, acompanhado por stress sobre os recursos naturais, resultando em, por exemplo, zoonoses, bem como pelo crescimento exponencial da população urbana aportam considerável volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade à tomada de decisão de longo prazo.  

À medida que a instabilidade dos sistemas socioecológicos se adensa, o risco de dessincronização entre manifestações das alterações climáticas e eficácia das respectivas políticas públicas é cada vez mais evidente, sendo urgente a mudança da tradicional abordagem reactiva na formulação de políticas públicas para um modelo de governança antecipatóriaAdoptando o pilar da participação multi-actores, reunindo a uma mesma mesa administração pública, sector privado, sociedade civil (não descurando aqui a participação das gerações futuras) e academia na co-construção de cenários de futuro, a adopção de tal modelo no contexto das alterações climáticas aporta acrescida legitimidade na adopção de medidas de acção climática, num contexto cada vez mais incerto e cujos dados disponíveis não permitem a definição com exactidão da melhor solução a adoptar. Desta forma, preparando os territórios face a riscos expectáveis e cujas estratégias de longo prazo se sobrepõem a uma visão de curto prazo sujeita aos ciclos eleitorais. 

Não obstante as alterações climáticas serem um fenómeno global, é principalmente no contexto nacional e local que as medidas de adaptação e mitigação das alterações climáticas, adaptadas ao contexto territorial, apresentam maior impacto, não sendo surpresa que seja nestes contextos geográficos (veja-se, por exemplo, as iniciativas de TaiwanFinlândia, Reino Unido, Austrália, Coreia do SulPortugal) que a adopção do modelo de governança antecipatória tem sido maior. 

Chegado a este ponto do texto o/a leitor/a poderá pensar: “Mais um processo para criar um documento com um título pomposo que ficará esquecido na gaveta daqui a quatro anos”. Embora infelizmente esta seja a regra, tal não implica que este resultado seja inerente à natureza deste modelo de governança.  

A história da missão Apollo dos Estados Unidos da América para colocar uma pessoa na Lua no século XX evidencia que a co-criação de cenários de futuro associada à vontade política permite orientar sectores da economia em torno de uma missão comum. Embora esta seja uma prática relativamente recente, iniciativas como as dos municípios de Cadmen, Manchester (Reino Unido) e Valência (Espanha) demonstram a utilidade do modelo de governança antecipatória através do processo de definição participada de “Missões Locais” (definindo desafios ou objectivos específicos de um território, por exemplo, tornar o município auto-suficiente em 70% na provisão de alimentos até 2030 e carbonicamente neutro até 2050que serão objecto de projectos de investigação e inovação no sector público e privado, com participação de ambos em todas as fases do processo de pesquisa. 

Na senda da densificação de uma acção climática mais robusta e adaptada aos territórios, proponho a replicação contextualizada deste modelo à administração local portuguesa, promovendo a orientação da iniciativa económica privada e pública em torno de missões locais para a acção climática. Assim, produzir cenários consensualizados para o futuro permite antecipar de problemas futuros, mas também fornece informação economicamente relevante para a mobilização da iniciativa empresarial privada em linha com visões compartilhadas do futuroem direcção a uma economia baseada no interesse público. 

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Processo de selecção das missões da estratégia Missions Valéncia 2030
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