Fotografia
Um mergulho profundo na outra face de Cuba
O fotolivro Campesinos, do fotógrafo texano Richard Sharum, faz um retrato de uma Cuba que está fora dos roteiros turísticos. “Sabia que queria mergulhar profundamente na terra onde o sangue toca o solo e passar anos na companhia de pessoas que não vemos habitualmente retratadas.”
Sobre a cidade norte-americana de Corpus Christi, no Texas, pairou, em Outubro 1962, em plena Guerra Fria, a ameaça soviética de um ataque de mísseis balísticos provenientes de Cuba. Essa ameaça nunca foi esquecida por quem lá vivia e Cuba passou, desde então, aos olhos dos habitantes, a ser encarada como um inimigo visceral. O fotógrafo Richard Sharum cresceu em Corpus Christi a ouvir, repetidamente, histórias desse período. “Os cubanos odeiam a América”, escutava. “Durante a minha infância, essa história teve um impacto profundo sobre mim”, explicou ao P3. “Pensava muitas vezes que se aquela ameaça se tivesse cumprido, a minha família talvez não existisse.”
Por esse motivo, sempre sentiu curiosidade acerca de Cuba. “Sempre que encontrava imagens ou informação acerca do país eram sobre o Fidel Castro, os carros clássicos, o ambiente típico de Havana”, explica, reforçando a ideia de que esse ódio visceral permaneceria intacto após todos esses anos. “Cuba sempre foi, para mim, a ilha proibida.” Quando começou a dedicar-se profissionalmente à fotografia, em 2006, visitar Cuba tornou-se num objectivo a cumprir. Aquilo que pretendia ver no país, porém, não eram as coloridas ruas de Havana, as típicas imagens que todos produzem em Cuba. “Sabia que queria mergulhar profundamente na terra onde o sangue toca o solo e passar anos com pessoas que não vemos habitualmente retratadas.”
Entre Janeiro de 2016 e Novembro de 2019, Richard Sharum viajou por toda a ilha, de norte a sul, de este a oeste, e capturou a vida dos campesinos, os trabalhadores rurais de Cuba. O resultado dessas viagens está patente no fotolivro que irá publicar, pela Gost Books, em Setembro de 2021, intitulado, precisamente, Campesinos. “Queria compreender o seu modo de vida, compreender quem são, enquanto seres humanos”, explica. E como 85% da população do país vive em zonas rurais, foi essa franja que procurou retratar ao longo dos anos.
A vida no campo, em Cuba, é profundamente marcada pela sua manualidade, pelo recurso a força humana e animal. “Os campesinos são extremamente resilientes e têm uma capacidade extraordinária no que toca a arranjar soluções para problemas práticos”, descreve. “Vi-os fazer coisas incríveis com muito poucos recursos, a construir ferramentas com as próprias mãos com base em objectos que têm disponíveis.” Nas zonas rurais vive-se um período de êxodo dos jovens em direcção às grandes cidades. “São sobretudo os homens jovens quem abandona as aldeias cubanas em direcção aos centros urbanos”, descreve. “Os homens têm tendência a não ingressar no ensino superior e a migrar para as cidades em busca de trabalho. As mulheres jovens têm mais tendência a frequentar a universidade e a permanecer nas aldeias durante mais tempo.” Existe, por isso, um desequilíbrio que se tornará mais visível no futuro.”
Apesar das dificuldades da vida no campo, em muito relacionadas com o embargo norte-americano, que lhes veda o acesso a tecnologia que se tornou corriqueira em todo o mundo – como tractores e outra maquinaria que facilita os processos de cultivo e colheita de alimentos –, os campesinos pareceram-lhe pessoas felizes, pouco complicadas, extremamente generosas, hospitaleiras, emocionalmente inteligentes. “Em quatro anos de viagens, nunca assisti a uma discussão entre duas pessoas”, sublinha, com espanto. “O seu sentido de comunidade é extraordinário.”
Estará esse sentido comunitário relacionado com a existência de um regime comunista? “Quando lhes fiz perguntas acerca do regime, nunca ouvi coisas negativas. Salientaram sempre o facto de terem acesso a educação gratuita, a serviços de saúde – coisas que não tinham no período pré-revolução. Tinham 48% de iliteracia no país e agora todas as crianças frequentam a escola.” Não crê que, nos lugares mais remotos que visitou, existisse medo em abordar questões políticas. “Em Havana acredito que talvez exista mais resistência à crítica do Governo, mas nas zonas rurais senti que existia liberdade para conversar.” A crítica mais comum era direccionada ao embargo norte-americano e dos seus aliados. “Diziam-me, quase todos, que os governos dos EUA e