Sinais de pântano

É a economia de mercado que gera inovação, bem-estar e riqueza, mas com um Estado mínimo ou sem a capacidade para as fornecer de forma eficiente, não se conseguirá responder ao que mais interessa.

Nunca o momento para definir o papel do Estado no Ocidente foi tão determinante. Qualquer leitura atenta ao Financial Times, Post ou The Economist reforça esse facto com a pandemia. No lugar de um Estado mínimo, a discussão centra-se hoje noutro cada vez mais eficiente e ágil. Até nas economias mais pujantes da Europa.

É a economia de mercado que gera inovação, bem-estar e riqueza, mas com um Estado mínimo ou sem a capacidade para as fornecer de forma eficiente, não se conseguirá responder ao que mais interessa. O primeiro-ministro português aparenta compreender esta linha, mas ao colocar de lado uma remodelação governamental num executivo tremendamente gasto, faz o oposto que a mesma exige.

Transmite o pior.

Quando começam a chegar fundos europeus que não podem ser desperdiçados, é urgente ter o Governo mais determinado na resolução para os problemas dos portugueses. O que se vislumbra em muitos ministérios e secretarias de Estado é o contraponto a isso.

A começar pelo infindável Eduardo Cabrita, que obviamente deveria ter sido afastado logo após o caso do SEF. A sua permanência naquele lugar só serve para enfraquecer o Estado e o país. De tantos temas em que se desresponsabilizou politicamente, até a este último da festa do Sporting, Cabrita é hoje o ministro da Administração Interna com menos autoridade dos últimos 30 anos. Num lugar onde isso deveria ser condição absoluta e numa altura em que o discurso extremista vai crescendo através do Movimento Zero nas forças de segurança, o ministro só se contradiz e atua sobre o que não interessa. Com o setor social a ferro e fogo, a ministra do Trabalho e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, também aparenta estar num lugar que não é o dela. Ou o ministro do Mar, que pouco ou nada esclarece em relação ao tremendo falhanço de o Fundo Azul só ter executado um quarto do orçamentado nos últimos cinco anos. Que, além disso, deveria servir como aviso para a forma como os fundos serão aplicados através do PRR neste setor. Entre muitos outros.

O problema não começa e acaba no facto de se fugir a sete pés dos “casos e casinhos”, como disse António Costa em tempos, e dos quais, de forma infeliz, confundiu alguns fait-divers com temas sérios que careciam de explicação. Colocando tudo no mesmo lugar, que também começa a ser apanágio. O dramático é que, para lá disso, não há qualquer vontade em esclarecer o essencial ou o acessório sobre a condução do país nas áreas mais relevantes.

Da urgência de alguns remodeláveis a tudo o resto, este Governo tornou-se apolítico.

Veja-se como num fim-de-semana em que a TAP esteve praticamente sem voar pela greve da Groundforce, com toda a fatura económica e não só que daí advirá (650 voos cancelados em dois dias), nem uma explicação até ver do ministro que tutela a pasta. Quando a sua atuação faz deste caso concreto uma responsabilidade direta do Governo.

Bem sei que a oposição à direita se encontra como se encontra e a esquerda, vendida ao poder há muito, se silenciou. Mas caramba, isto assim já não é política, não é nada. E sem qualquer revolução nalguns ministérios-chave antes das autárquicas e um primeiro-ministro que aparenta estar tão desinteressado dos temas internos do país, pode-se esperar uma penalização forte do PS. Talvez bastante mais acentuada do que se julgaria e até com esta oposição. Sinais de que o pântano político se adensa. 

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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