Ritmo de crescimento de casos de covid-19 faz temer “alguma limitação” na restante actividade hospitalar

Em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte fala dos momentos mais difíceis que se viveram região. Para já, a resposta aos doentes está assegurada, mas um aumento da estrutura para atender a doentes com covid-19 poderá limitar a restante actividade.

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Daniel Ferro, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte

À medida que os novos casos de covid-19 aumentam na região de Lisboa, cresce a preocupação. A questão é assegurar o equilíbrio que os hospitais têm de dar aos doentes com covid-19 e a todos os que sofrem de outras doenças. Em entrevista ao PÚBLICO/Rádio Renascença, que pode ouvir nesta quinta-feira, o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte — que gere os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente — assume que o actual ritmo de crescimento faz temer que tenham de aumentar a estrutura de resposta à infecção provocada pelo SARS-CoV-2. E se isso acontecer, pode trazer limitações. Daniel Ferro explica que, na área dos cuidados intensivos, a capacidade foi reforçada, e fala do que aprenderam com a pandemia.

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À medida que os novos casos de covid-19 aumentam na região de Lisboa, cresce a preocupação. A questão é assegurar o equilíbrio que os hospitais têm de dar aos doentes com covid-19 e a todos os que sofrem de outras doenças. Em entrevista ao PÚBLICO/Rádio Renascença, que pode ouvir nesta quinta-feira, o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte — que gere os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente — assume que o actual ritmo de crescimento faz temer que tenham de aumentar a estrutura de resposta à infecção provocada pelo SARS-CoV-2. E se isso acontecer, pode trazer limitações. Daniel Ferro explica que, na área dos cuidados intensivos, a capacidade foi reforçada, e fala do que aprenderam com a pandemia.

Como interpretou as palavras do Presidente da República, que, nos últimos dias, disse várias vezes que não haveria recuos na gestão da pandemia?
Certamente que terá exprimido um desejo que tem, de que esta situação não tenha retrocesso e que a população não seja novamente sujeita a restrições. Penso que exprimiu um desejo, muito mais do que uma directiva ou sequer uma orientação.

Alguns hospitais já aumentaram o número de enfermarias dedicadas e também as camas de cuidados intensivos para doentes com covid, como é o caso do Hospital de Santa Maria. Neste momento, como se está a reflectir isso na organização do centro hospitalar?
Naturalmente que a níveis moderados. Estamos a falar de duas enfermarias e estamos a falar, no fundo, de já quase duas unidades de cuidados intensivos. Já superámos a possibilidade de uma só unidade integrar todos os doentes em risco. Faz-nos pelo menos pensar que os níveis de crescimento actuais poderão fazer crescer esta estrutura. Um centro que já teve activas 15 enfermarias e oito unidades de cuidados intensivos tem muito por onde se expandir. A questão é que, quando isso acontece, pode traduzir-se muitas vezes em restrições nas actividades assistenciais “não covid”. Isso não é de todo desejável num período em que o centro não só está a recuperar muita coisa que foi adiada, mas está com níveis de actividade crescente para melhorar a acessibilidade e para reduzir as listas de espera. A questão é sempre o binómio de equilíbrio de respostas às necessidades covid e não covid.

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Dentro do vosso plano de contingência, qual é a linha-limite que permite dar boa resposta aos doentes com covid e aos doentes sem covid?
Um plano equilibrado para dar resposta às duas áreas sem restrições implica que o centro tenha pelo menos uma margem de 100 camas. Se este nível baixar muito, inevitavelmente implica algum tipo de restrição. Até agora não há comprometimento de qualquer tipo de actividade, seja covid ou não covid. O que tememos é que a este ritmo de crescimento se possa ter de aumentar muito esta estrutura, que leve a que se tenha de introduzir alguma limitação.

Concorda com a matriz de risco ou acha que tem de ser alterada?
A matriz de risco tem variáveis que, do ponto de vista técnico, se consideram adequadas. Pondera as variáveis que são importantes para tomar decisão, combina essas variáveis num modelo que tem vindo a ser testado e experimentado e, até agora, não temos razão para pensar que este modelo não esteja a surtir o seu efeito nem não esteja a ser útil aos decisores políticos.

Em Outubro, uma equipa das Forças Armadas trabalhou na reorganização dos hospitais de Lisboa. Em que é que esse trabalho foi útil?
Foi importante na medida em que deu à região de saúde de Lisboa um robusto sistema de informação que permitiu acompanhar melhor o que estava a acontecer. Este sistema deu-nos, a todos, o ponto em que estamos em cada momento, se estamos próximos de uma situação de saturação do sistema ou o que falta para isso, no sentido de ir gerindo essa capacidade de forma integrada e de forma regional.

Permite maior solidariedade entre os hospitais?
Não senti que houvesse falta de solidariedade. O que senti foi que, a certa altura da pandemia, toda a resposta que estava colocada regionalmente em activação começou a ser escassa. A multiplicidade de camas ocupadas e o nível de intensidade que tivemos em Lisboa, que foi sem dúvida a maior do país, levaram a que a certa altura o número de vagas fosse muito pequeno. Do ponto de vista da gestão foi importante, porque ajudou a saber onde é que elas existiam.

O Centro Lisboa Norte colaborou sempre na expectativa e na responsabilidade daquilo que era sua missão. Se do ponto de vista daquilo que foi alocado à assistência covid, em vez das 400 camas tivéssemos podido dedicar mais 100 ou 200 camas, óptimo. A questão foi sempre a de responder equilibradamente à assistência covid como à não covid. A assistência não covid tem áreas onde praticamente só o hospital responde e, em alguns dias era mesmo o único hospital que respondia à zona sul do país e região de Lisboa e Vale do Tejo.

Quando vimos aquelas filas de ambulâncias à porta de Santa Maria, foi sobretudo porquê? Esgotamento de capacidade, falta de capacidade dos outros hospitais à volta?
Nunca houve uma situação de esgotamento de resposta no Centro Lisboa Norte – e no Hospital de Santa Maria em concreto –, quer em enfermaria, quer de cuidados intensivos, quer de urgência. O que se passou foi que durante uma semana confluíram vários hospitais com urgências limitadas ou encerradas parcialmente e durante alguns períodos foi quase o único hospital a responder na cidade de Lisboa. Essa foi uma semana particularmente difícil, mas pontual.

Neste momento qual é o total de camas de cuidados intensivos que o centro hospitalar tem e qual o acréscimo em relação ao que tinha antes?
Tivemos um acréscimo de 14 camas. Temos hoje 112 camas de cuidados intensivos. Mas não conta apenas com o reforço de uma nova unidade. Procurámos reforçar o perfil das unidades que tínhamos, com mais equipamento e com pessoas com maior diferenciação. O Centro Lisboa Norte tem hoje muito reforçada esta área de cuidados críticos.

E aprendeu muito?
E aprendeu muito. Isto obrigou de alguma forma a afectar um numeroso conjunto de profissionais e agora para podermos aumentar esta estrutura, muitos profissionais que desempenhavam funções noutras áreas acabaram por ficar mobilizados para esta atendendo à experiência que adquiriram.

E o que mudou no centro hospitalar no sentido do que fica para o futuro?
Sobretudo a necessidade que temos de uma gestão flexível a todo o momento. A ideia que tínhamos de que qualquer alteração de estrutura era uma coisa muito complicada, a pandemia obrigou-nos a vencer este receio. Sabemos que, se necessitarmos de uma unidade de cuidados intensivos, seja em período de contingência ou fora, conseguimos montá-la em três dias. A mesma coisa do ponto de vista das enfermarias. Temos a noção de que em 24 a 48 horas conseguimos transformar completamente uma destas estruturas.

Há uma outra questão. Hoje todos os profissionais têm mais confiança em situações de crise. O facto de terem sido chamados a assegurar funções em áreas para as quais as suas competências eram estranhas, isso permitiu que, inseridos em equipas com pessoas mais diferenciadas, lhes desse confiança quando mobilizados para um plano de contingência.

O que mudou no perfil dos doentes agora internados com covid, em termos de idade, de gravidade de doença?
Sem dúvida que o factor mais notório tem que ver com a idade. Quando na primeira e na segunda fase, mesmo na terceira, a parte maior dos doentes internados era acima dos 65 anos, nesta altura é a parte menor. Mesmo nos cuidados intensivos. Talvez outro factor que se observe, embora de uma forma muito grosseira, é que a taxa de óbitos é mais reduzida. O número de óbitos em relação ao número de internamentos, comparando sobretudo com estes dois últimos meses, dá uma taxa de mortalidade inferior.

Têm chegado casos graves em idades mais baixas?
Sim. Era muito raro ter pessoas com idades mais novas internadas em cuidados intensivos, mas nesta altura é frequente. A maior parte dos doentes que estão em cuidados intensivos tem idade inferior a 65 anos. Estou a falar de pessoas com 30 anos, 35, 40, 45 anos.

Já têm tido alguns casos em pessoas vacinadas?
Não muitos casos, mas alguns. Não tenho bem apurado o que representa.