Hospital de Santa Maria: tendas de pré-triagem aliviam fila de ambulâncias, mas há dezenas de doentes à espera de internamento

Directora do serviço de urgência diz que tem 60 doentes à espera de internamento e alerta para o facto de estarem a chegar pessoas mais jovens, com 30, com 40 e até com 20 anos. Na fila das ambulâncias, algumas ali, com doentes dentro, há 24 horas, um dos bombeiros desabafa: “Temos feito o trabalho de enfermeiros”

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As tendas de pré-triagem estão montadas logo à entrada do Hospital de Santa Maria, em Lisboa Filipa Fernandez
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Até às 13 horas estavam trinta ambulâncias à porta das urgências do hospital de Santa Maria Filipa Fernandez
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Há uma tenda dos Bombeiros de Queluz com comida e bebida Filipa Fernandez
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O Hospital de Santa Maria teve de colocar contentores frigorificos junto à morgue para aumentar a capacidade para guardar os cadáveres Filipa Fernandez

As tendas de pré-triagem de doentes, estrategicamente montadas no lado esquerdo, assim que se entra no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, começaram a funcionar pouco depois das 13 horas desta sexta-feira. A medida surge depois de vários dias de longas filas de ambulâncias, de muitas horas de espera e depois de o próprio presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHULN), Daniel Ferro, afirmar que 85% dos doentes em espera nas ambulâncias podiam ser atendidos noutros serviços, nomeadamente nos centros de Saúde.

Assim que o novo sistema de pré-triagem, que está a ser assegurado por equipas do INEM e da Protecção Civil, começou a funcionar, a fila de ambulâncias começou logo a diminuir. Estavam quase 30 à porta. Numa hora, em resultado desta pré-triagem, seis foram enviadas para centros de saúde. Está estabelecido que são os Agrupamentos de Centros de Saúde de Sete Rios e de Odivelas que vão receber estas situações. Aliás, nas traseiras do centro de Saúde de Sete Rios já está montada uma tenda para receber doentes.

Junto às tendas de pré-triagem podem estar, ao mesmo tempo, quatro ambulâncias. As equipas, constituídas por um médico e um enfermeiro, devidamente equipados com os fatos e máscaras de protecção, avaliam os doentes dentro das viaturas. Nas primeiras quatro da fila, os doentes já estavam à espera havia mais de 24 horas. “Temos feito o trabalho de enfermeiros”, desabafou um dos bombeiros, evidenciando um enorme cansaço. Explicou que até mudam as fraldas aos doentes e ajudam-nos quando estes têm de usar as arrastadeiras. Todas as necessidades são feitas dentro das ambulâncias, prosseguiu. Muitos doentes mal conseguem levantar-se e também são muitos os que já têm um teste positivo à covid-19.

Os bombeiros também os ajudam com a alimentação e algum conforto psicológico. “São horas e horas aqui. Não estão bem e estão longe da família. Não é confortável para ninguém”, explica um dos bombeiros, sublinhando que tiveram até de pedir cobertores ao hospital para manter os doentes quentes, uma vez que não é possível ter sempre a ambulância com o motor a trabalhar.

Da assistência médica aos doentes não há queixa: “Sim, são vigiados constantemente e os médicos têm vindo avaliar a situação com frequência.”

Bombeiros com turnos de 24 horas

Na primeira ambulância da fila está um doente com a mão no peito e a receber oxigénio. Tenta falar, mas desiste. Na segunda ambulância está uma mulher. Está sentada. Come devagar um iogurte, ajudada por uma bombeira. Na terceira está um outro doente que vai ser reavaliado por uma médica.

Estas ambulâncias chegaram ao hospital às 11 horas de quinta-feira. Às 13 horas desta sexta já iam na terceira equipa de tripulantes. Os bombeiros têm sido rendidos, mas alguns chegam a ter turnos de 24 horas.

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A comida no início da semana também faltou, contam. Valeu a muitos bombeiros e doentes a solidariedade de quem viu as imagens nas redes sociais ou nas televisões e se deslocou ao hospital para lhes levar alimentos e água.

Mas esta sexta-feira já ninguém passava fome ou sede. Há uma tenda dos bombeiros de Queluz que distribui comida. Aliás, Elísio Oliveira, comandante regional de emergência e protecção civil de Lisboa e Vale do Tejo, apelou a que não levem mais comida para o Hospital de Santa Maria porque, neste momento, já há em excesso.

Num balanço feito às 20 horas, Elíso Oliveira disse que estavam naquele momento seis ambulâncias em espera e que na quinta-feira à mesma hora estavam 46. O comandante regional sublinhou assim o desempenho positivo do trabalho de todos, no sistema de pré-triagem, destacando a colaboração entre o INEM, os bombeiros e a Protecção Civil. Não adiantou os números de ambulâncias que foram desviadas para centros de Saúde, mas disse que foram “dezenas”.

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Mas enquanto a fila de ambulâncias regista um alívio, o mesmo não acontece com a lista de espera de doentes para internamento.

60 doentes nas urgências à espera de internamento

As camas para internamento no Hospital de Santa Maria estão no limite. Nas urgências, às 14 horas, estavam 60 doentes à espera de internamento, segundo declarações da própria directora das urgências do hospital, Anabela Oliveira, que admitiu a sobrelotação e que sublinhou o facto de o Hospital de Santa Maria não ter “qualquer controlo” sobre os doentes que lhe são enviados. “Nós não sabemos se os doentes que estão nas ambulâncias são doentes ligeiros, se são doentes com doença moderada, se são doentes graves. Não há qualquer referenciação, portanto, a montante não temos qualquer controlo”, afirmou, acrescentando que há, cada vez mais, doentes com doença covid-19 de moderada a grave.

“Não temos só idosos. Temos pessoas mais jovens, com 30, com 40 e até pessoas com 20 anos. Nós estamos a ter muitos doentes com doença moderada a grave com necessidade de internamento. Se não temos capacidade de os internar é fácil de perceber que os doentes vão ‘entupir’ o serviço de urgência”, disse. O cenário para os próximos dias não deverá melhorar, alertou.

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“Os doentes que estão nas ambulâncias são doentes que nós não conseguimos trazer para o serviço de urgência”, acrescentou. “Estamos a viver um momento absolutamente inimaginável no serviço de urgência do CHULN, com dezenas de ambulâncias em espera na nossa urgência.”

As ambulâncias que chegam ao Santa Maria têm sido desviadas de múltiplos locais da área metropolitana de Lisboa, nomeadamente da Amadora, de Sintra, e até de hospitais privados, prosseguiu. “Portanto, não temos tido capacidade na nossa urgência covid que, como é sobejamente conhecido por todas a entidades que tutelam esta área, está  sobrelotada desde há alguns dias a esta parte”, afirmou.

Mas também não é só nos internamentos que começa a faltar vaga. O Hospital de Santa Maria, à semelhança de outras unidades de saúde no país, também teve de colocar contentores frigoríficos junto à morgue. “A capacidade normal da morgue do hospital é para 60 cadáveres e, com os contentores, há mais 30 lugares”, explicou fonte do CHULN.

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