Um manifestante perdeu a perna. Mas diz que a “revolução” na Birmânia tem de continuar

Aos 24 anos, Ko Phyo diz ter sido ferido na linha da frente dos maiores protestos contra os militares birmaneses em décadas. A vida do jovem de 24 anos num país em caos desde o golpe de Estado, a 1 de Fevereiro.

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Todas as manhãs, Ko Phyo limpa-se a si próprio e dá banho ao filho de dois anos sentado numa cadeira, com um saco de plástico a cobrir o que resta de uma perna que ele garante ter sido estilhaçada por uma bala disparada por um soldado da Birmânia.

Ko Phyo diz ter sido ferido na linha da frente dos maiores protestos contra os militares birmaneses em décadas. Agora, está a adaptar-se à vida como amputado e pai solteiro num país em caos desde um golpe de Estado a 1 de Fevereiro.

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O jovem de 24 anos diz ter-se juntado ao movimento de protesto nacional em Rangua, a maior cidade do país, onde serviu como guarda a tentar proteger os manifestantes das forças de segurança durante as marchas e greves diárias pró-democracia.

“Fugimos porque não queríamos ser presos e espancados”, disse, recordando o dia no início de Março em que foi encurralado enquanto a polícia e um soldado avançavam. “Depois começaram a disparar, eu fui alvejado na perna, e caí no chão.”

As forças de segurança já mataram mais de 800 pessoas desde o golpe, segundo o grupo activista Associação de Assistência aos Prisioneiros Políticos. A Junta Militar no poder diz que cerca de 300 morreram, a maioria “terroristas” e “instigadores de violência”. Ko Phyo disse que transportava apenas um escudo.

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Ko Phyo mostra uma fotografia com os amigos tirada durante um protesto contra o golpe de Estado. REUTERS/STRINGER

A bala que o atingiu rasgou três artérias. O soldado que disparou o tiro removeu-a com uma faca e um polícia local que o conhecia levou-o a um hospital militar, uma viagem que demorou mais de duas horas, relata.

“Comecei a sentir dor e não a consegui suportar. Disse-lhes para me cortarem a perna imediatamente. Eles cortaram-na no sétimo dia.”

Ko Phyo tem vindo a aprender a mover-se numa cadeira de rodas pela casa de três assoalhadas e usa muletas quando está ao ar livre, para lidar com as estradas e caminhos irregulares que correm entre os campos verdes do seu município de Yangon. Espera voltar ao seu trabalho de licenciamento de veículos na autoridade de transportes rodoviários, quando a estabilidade acabar por regressar.

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A preocupação com o futuro do seu filho levou-o a juntar-se aos protestos anti-junta e deu-lhe motivação para recuperar mais rapidamente e sair do hospital após 12 dias. Ko Phyo vê a perda da perna como um pequeno sacrifício em comparação com os das centenas de mortos, incluindo uma das suas companheiras de segurança, uma rapariga de 15 anos.

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“Todos os manifestantes lá fora estão a lutar pelas próximas gerações... Os militares devem proteger o seu próprio povo, mas em vez disso estão a matar-nos. Temos de continuar a lutar”, acredita. “Temos de ganhar esta revolução para trazer justiça às almas caídas”.

O filho está também a adaptar-se à nova realidade. Brinca com o pai e leva-lhe petiscos e almofadas para o ajudar a ficar confortável no chão. “Sinto-me terrível quando ele perguntou: ‘Pai, onde está a tua perna?”. “Por isso, respondi: ‘Um cão comeu a minha perna, mas vai crescer mais tarde’. E ele ainda acredita nisso.”