Mina do Barroso: fundação galega avançou para tribunal

Agência Portuguesa do Ambiente não só não entregou documentos do processo antes do período de discussão pública, como foi determinado pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, como não disponibiliza, em pleno período de discussão pública, todos os anexos, acusa a fundação Montescola.

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Amostras recolhidas pela Savannah, na zona de exploração da mina Adriano Miranda

A fundação ambiental galega Montescola avançou com uma acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela contra o Ministério do Ambiente por causa da falta de acesso aos documentos do processo de avaliação ambiental da Mina do Barroso, em Boticas. Nesta fase, é visado directamente o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta, que os autores da acção querem que seja condenado “ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória”.

Em causa está o acesso (ou a falta dele) aos documentos que constam do processo apresentado pela concessionária Savannah junto da APA, em Junho de 2020, no âmbito do processo de avaliação do impacto ambiental da mina. 

Depois de várias associações ambientalistas tentarem, durante meses, ter acesso ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e ao Plano de Lavra da Mina do Barroso, a fundação galega recorreu à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), evocando a complexidade do processo para poder ter acesso aos documentos antes do curto período de 30 dias destinado à consulta pública. O EIA, da responsabilidade Visa Consultores, tem cerca de 3700 páginas, a que se somam outras 2300 do estudo prévio do Plano de Lavra. 

No final de Março, a CADA emitiu um parecer favorável ao pedido da Montescola, determinando que “na ausência de restrições de acesso, os documentos solicitados são públicos e livremente acessíveis” e que “deverá ser facultado o acesso no quadro exposto”. A CADA recusou a posição da APA, de que bastaria que os documentos fossem disponibilizados no período de consulta pública. “O exercício do direito de acesso e do direito de participação pública pressupõem a disponibilização de informação ambiental pela entidade que a detenha. Trata-se, porém, de direitos distintos, sendo que o exercício de um não consome o exercício do outro”, lê-se no parecer, em que se acrescenta ainda: “As fases de consulta pública ou de consulta transfronteiriça não constituem restrições ao direito de acesso à informação ambiental nem consomem o exercício do direito de acesso ao solicitado.”

A APA tinha dez dias para para apresentar a sua “posição final fundamentada”, mas, segundo, a Montescola e a MiningWatch Portugal, nem respondeu, nem entregou os documentos. “A APA não só optou por desobedecer à sua obrigação legal de responder dentro dos dez dias seguintes à emissão do parecer da CADA, mas também ignorou o recurso hierárquico formulado pela fundação, obrigando-nos a judicializar algo tão simples como um pedido de acesso à informação ambiental. Trata-se de uma atitude inédita e imprópria de um país europeu que ratificou a Convenção de Aarhus”, refere Joám Evans Pim, director da fundação galega, num comunicado desta quinta-feira. 

Tal como tinha ameaçado fazer, a fundação recorreu então a tribunal e quer que o director da APA seja obrigado a pagar uma multa por cada dia de atraso em facultar toda a documentação. E a questão não ficou sequer sanada com a abertura do período de discussão pública, a 22 de Abril. É que mesmo agora há documentos que continuam a não estar acessíveis digitalmente, apesar de aparecerem listados no processo, afirmam. É o caso - como verificou o PÚBLICO esta quinta-feira - do documento que estabelece os parâmetros das escombreiras, ou de um outro referente aos solos ou do anexo relativo ao clima e alterações climáticas. “Há cinco anexos que não estão disponíveis. Constam da lista, mas não estão disponíveis no servidor e são documentos que têm que ver com aspectos cruciais”, diz Nik Völker, da MiningWatch Portugal.

A Montescola considera, por isso, que todo o processo de dificuldade no acesso à documentação, que é informação pública, pode “indiciar um crime de prevaricação”, pelo que “não descarta novas acções no âmbito penal”.

A APA emitiu este mês uma declaração de conformidade do EIA, no que constitui mais um passo para que a empresa britânica Savannah possa avançar com a exploração de lítio na mina barrosã - um processo que tem sido muito contestado pela população. O período de consulta pública está a decorrer desde 22 de Abril e, até esta quinta-feira, contava já com 24 participações. 

O PÚBLICO questionou o Ministério do Ambiente sobre este processo, mas este remeteu esclarecimentos para a APA. A agência não respondeu, até ao momento, às perguntas do PÚBLICO, como não respondera, aliás, quando foi questionada sobre o parecer da CADA, no início do mês.

A Mina do Barroso deverá representar um investimento total na ordem dos 110 milhões de euros, estando prevista a criação de 215 empregos directos e 500 a 600 indirectos. A Savannah, que conta agora com uma participação da Galp, pretende fazer concentrado de espodumena, um minério que depois de refinado permite produzir o lítio necessário à produção de baterias para cerca de 600 mil veículos eléctricos por ano.

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