Uma homenagem feliz aos mais velhos

A autora reencontra o avô através da memória do banco de madeira em que ele se sentava. A ilustradora vai aos “bolsos das recordações” e também dá de caras com os seus avós.

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A Geração dos Bancos de Madeira foi escrita, segundo Sara Brandão, numa tentativa ingénua de reencontrar o avô nas coisas mais simples. “Recordo-o muitas vezes sentado na cozinha, num desses bancos em madeira, e foi a partir dessa imagem que a história fluiu num tom infantil e ficcional”, conta ao PÚBLICO.

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A Geração dos Bancos de Madeira foi escrita, segundo Sara Brandão, numa tentativa ingénua de reencontrar o avô nas coisas mais simples. “Recordo-o muitas vezes sentado na cozinha, num desses bancos em madeira, e foi a partir dessa imagem que a história fluiu num tom infantil e ficcional”, conta ao PÚBLICO.

Diz ainda: “Queria abordar a perda, carinhosa e indirectamente, sobretudo aquilo que permanece. Acho que, à medida que vamos crescendo, tudo nos pesa e perdemos uma certa facilidade em recordar aqueles que nos deixaram por aquilo que foram e centramo-nos, em excesso, na sua ausência física.”

A autora, que fundou a editora Truz Truz em 2019 e em família, lembra que “ninguém está preparado para perder alguém que ama”, por isso, ao escrever este livro, aprendeu que “vale a pena avaliar as situações na perspectiva inocente de uma criança, independentemente da nossa idade”. Assim sendo, conclui: “Trata-se de uma história dedicada a todos os avós-memórias e aos netos e netas que, como eu, nunca deixarão de o ser.”

Com uma escrita fluente e imaginativa, Sara Brandão consegue criar uma voz verosímil para uma criança de 12 anos. “Vivo numa casa que não é grande nem é pequena, em frente à casa dos meus avós, que mesmo sendo do mesmo tamanho da minha, é sempre muito maior. A minha casa é branca e sonolenta, porque a maioria do tempo que lá passo estou a dormir.”

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Luísa Coelho

Os nomes dados aos capítulos são bem escolhidos. Desde “Aprender a comer” a “Aprender a lidar” ou a “Aprender a fugir”.

Amigos imaginários, emoções verdadeiras

Para a ilustradora, Luísa Coelho, começou por ser difícil dar corpo à narrativa: “Honestamente, quando comecei, não conseguia ver onde a ilustração poderia caber na história, sendo já um texto tão descritivo e poético, não queria que a ilustração viesse dizer o mesmo que as palavras, parecia-me redundante.”

Por isso andou uns tempos com tudo às voltas na sua cabeça, a esboçar ideias, mas sem nunca gostar do que estava a fazer, conta ao PÚBLICO. “Até que um dia, no Verão, decidi desligar-me parcialmente do texto e pensar no imaginário da criança, desde os amigos imaginários da personagem principal às confusões de pensamentos e emoções que esta menina sentia. Acabei por mergulhar nesse universo.”

Valeu-lhe identificar-se com a protagonista: “Muito! Acho que qualquer neto/a que tenha tido a sorte de conhecer os avós e a oportunidade de usufruir disso se identificará com esta história. Eu tenho o prazer de ser neta e ter os bolsos cheios de recordações dos meus avós, facilmente revejo os meus ‘bancos de madeira’. Assim como esta noção de vermos o tempo a passar e sabermos o quão importante é guardar estes momentos na memória.”

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Luísa Coelho

Colagens e um dedo partido

Luísa Coelho não seguiu uma regra rígida na escolha dos momentos a ilustrar. “Depois de ter percebido onde é que a ilustração iria existir nesta história, foi simplesmente anotar tudo o que dizia respeito ao imaginário da menina, o cavalo cor de beringela Manel, as confusões de vocabulário, as aventuras pontuais que iam acontecendo paralelamente à história principal. E a partir daí, foi passar tudo para o papel e começar a ilustrar as situações que me pareciam mais engraçadas e dinâmicas. No fundo, até ter terminado o livro, não fazia ideia de quantas ilustrações iriam ser, sabia só que pelo menos uma por capítulo tinha de existir.”

Inicialmente, apresentou três ilustrações quase finalizadas à autora do texto, “para poder exemplificar o que andava a magicar e como o queria fazer”. Depois, Sara Brandão deu-lhe “total luz verde para fazer o que quisesse” e então criou “de rajada as outras todas”.

Sobre a técnica, descreve: “As ilustrações são todas analógicas, numa mistura de acrílicos, pastel seco, marcadores e colagem (talvez haja um lápis de cor aqui ou acolá também).”

E conta, bem-humorada, as vicissitudes do processo: “Quando finalmente percebi como iria fazer as ilustrações e com que materiais, nessa mesma semana, parti o dedo anelar da mão esquerda a surfar.” Sendo canhota, ficou atrapalhada, pois não conseguia desenhar como queria. “Não conseguia arranjar posição para a mão a segurar o pincel. Então foi aí que surgiu a colagem, veio por necessidade e no final acabou por resultar bastante bem.”

A Truz Truz já editou online Disse o Mário e O Baile, sendo A Geração dos Bancos de Madeira o primeiro livro materializado.

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Luísa Coelho

“Vou e venho a pé da escola, sozinha. Gosto especialmente das quartas e sextas-feiras. Por não ter aulas à tarde, regresso guiada pelos cheiros que voam da cozinha da minha avó. Sigo numa caminhada de narinas, até à mesa que tem preparada para mim. Um banquete requintado com o carinho do Natal. Até aos meus onze anos almocei todas as quartas e sextas-feiras com os meus avós, sentada num banco de madeira e empoleirada sobre a mesa. Era esta a única vida que conhecia. A única vida que conheço. Hoje tenho apenas doze e mais um ano é coisa pouca para se falar em viver.”

Os dois últimos capítulos são “Aprender a aceitar” e “Aprender a honrar”. Seja.

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