Carta ao meu irmão adolescente e a todos os outros adolescentes que gostam de ler

Nunca vais ser tão bonito, tão saudável, tão livre. Sê livre e respeita a liberdade, a tua e a dos outros. Respira, aprende a respirar. Pára, aprende a parar. Ama, aprende a amar e a ser amado. Erra. Erra muitas vezes e aprende com isso. Cresce, mas não rápido demais. Há tempo para isso, na verdade há um tempo para tudo.

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Gaelle Marcel/Unsplash

É o dia dos meus anos e, num momento de rebeldia aquariana, decido procurar alguma paz no caos que é o meu mundo e a rua da Graça, sempre apressada, mesmo em dias de confinamento. Então, sem pensar, sento-me num banco de pedra ao sol, um sol que vai e vem à velocidade das nuvens que passam. Paro e respiro. Ali parada, com o corpo a tocar na superfície fria, apercebo-me do tempo que não para, que está sempre a avançar, como as nuvens.

Dizem que só valorizamos as coisas quando as perdemos; digo que só percebemos a falta que nos faziam quando as voltamos a encontrar. Estar ali só porque sim, sem fazer nada, sentada a ver as nuvens passar. Que saudades tinha eu disto, coisas tão simples que viraram tão luxuosas em tempos de quarentena. A olhar o ar, pus-me a pensar no que tinha aprendido nestes 30 e vários anos e nas coisas que gostava que me tivessem dito; ou, se me disseram, que gostava de ter escutado.

Se tivesse escrito esta carta há dois anos, tê-la-ia dedicado à minha irmã. Este ano, dedico-a ao meu irmão. No meu tempo de adolescente, certas coisas talvez fossem menos complicadas porque nem nos passava pela cabeça ter tantas opções de ser como hoje em dia. Mas há coisas que são universais e transversais a todas as gerações. Chamam-se ser humano.

Por isso toma o que aprendi e que gostava que levasses contigo, pelo menos um bocadinho. 

Nunca vais ser tão bonito, tão saudável, tão livre. Sê livre e respeita a liberdade, a tua e a dos outros. Respira, aprende a respirar. Pára, aprende a parar. Ama, aprende a amar e a ser amado. Erra. Erra muitas vezes e aprende com isso. Cresce, mas não rápido demais. Há tempo para isso, na verdade há um tempo para tudo.

Tudo tem o seu tempo, o seu momento. Vais passar por depressões, pressões e oscilações, curvas e contracurvas, mas também vais passar por vales saltitantes, estradas a direito e subidas a pique, mas daquelas boas, que nem custam a subir. Nunca vais ter todas as respostas e vais ter cada vez mais perguntas.

Chora, grita, cai e levanta-te ao teu ritmo. Faz amizades, dessas que te ajudam a levantar quando cais e a voar quando as asas pedem. Não deites fora o que não queres deitar fora. Dá o que queres deitar fora. Não tenhas medo de ficar sem nada, porque vem sempre algo mais. Algo mais alinhado contigo e bom como Ferrero Rocher.

Come o que queres, não comas o que não queres. Corre, mexe-te, dança, agita-te. Vê-te ao espelho e fala contigo com carinho. Quando não consegues, pede que te façam festinhas. Mas pede às pessoas certas que é a melhor forma de voltarmos a nós. Veste o que te apetece. Calça bons sapatos. Toma banho, lava os dentes, cuida do cabelo. Hidrata-te, por dentro e por fora.

Usa transportes públicos, anda a pé e de bicicleta, aprende a conduzir. E a perdoar. Recicla, reutiliza, cuida das tuas coisas e rega as plantas. Envia mensagens e atende chamadas mas não todas - só da avó. Aliás, atende de vez em quando e de quem queres, mas não digas que fui eu que te ensinei isto. Aprende que nada é urgente e que, se respeitarem os ciclos, tudo vem a ti no tempo certo.

Confia na vida. Sonha, sonhar é tão importante como agarrar o real, o que está à tua frente agora. Aproveita o momento. Arrisca, luta, vai. Pensa, mas age com o coração. Age com o coração, mas pensa. Trabalha e poupa. Faz sexo, usa preservativo. Faz passeios higiénicos, usa máscara. Protege-te. Protege os teus e os outros. Não sejas os outros. 

Apenas uma coisa é certa, L., talvez a mais difícil. Vais ter que aprender a gostar de ti e das coisas que não gostas de ti. Isso e fazer as pazes com essas coisas e com essas coisas que os outros também têm. Porque não somos nada sem os outros. 

Mas, olha, vive a vida. Porque palavras que nunca escrevi, coisas que nunca disse ou sítios onde nunca fui nunca deram bons livros. Ah, e escreve um livro. 

Um abraço da tua irmã,
Sara 
 

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