Restaurantes alertam: “Os apoios não estão a chegar”

Dificuldades, bloqueios do sistema, burocracia, falta de respostas e, sobretudo, atrasos de meses na chegada dos apoios. Alguns restaurantes já começaram a fechar definitivamente, outros avisam que estão no limite.

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Joaquim Saragga Leal viu-se obrigado a fechar os seus dois restaurantes (na foto na cozinha do Weat, onde está como voluntário a preparar refeições para pessoal médico) Daniel Rocha

Em Março de 2020, forçado a fechar os seus dois restaurantes, a Taberna do Sal Grosso e o Salmoura, em Lisboa, Joaquim Saragga Leal colocou os colaboradores em layoff e ficou à espera de receber a comparticipação do Estado. “Não recebemos nada”, conta. “Em Maio, como não nos pagavam, não paguei a Segurança Social nem o IVA. Enviei um email a avisar que íamos entrar em incumprimento porque não tinha capacidade.”

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Em Março de 2020, forçado a fechar os seus dois restaurantes, a Taberna do Sal Grosso e o Salmoura, em Lisboa, Joaquim Saragga Leal colocou os colaboradores em layoff e ficou à espera de receber a comparticipação do Estado. “Não recebemos nada”, conta. “Em Maio, como não nos pagavam, não paguei a Segurança Social nem o IVA. Enviei um email a avisar que íamos entrar em incumprimento porque não tinha capacidade.”

A partir daí entrou numa espiral burocrática cujo desfecho foi o encerramento dos dois espaços – o Salmoura com carácter definitivo, o Sal Grosso ainda em análise – e a cessação dos contratos com as cerca de vinte pessoas das equipas. Nem foi preciso esperar pelo segundo confinamento, em Janeiro. Depois de um Verão difícil, com a capacidade da sala reduzida, e com “zero almoços”, o fecho dos restaurantes aos fins-de-semana, ainda em 2020, foi “a machadada final”.

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Os restaurantes não estavam à espera de um segundo confinamento tão longo Helena Colaço Salazar

“Era impossível facturar o suficiente para pagar as contas”, explica. “Estávamos a perder três a quatro mil euros por mês.” Alegando a situação de incumprimento na Segurança Social, o banco não aceitou moratórias sobre o crédito que tinham, e Joaquim não encontrou outra alternativa senão hipotecar a própria casa.

Ainda alegou junto do banco que “a garantia de crédito do Estado não tem nada estipulado sobre a situação fiscal, mas a resposta foi que recai sobre o banco tomar a decisão final”. Nos dois anos anteriores, fechou as contas com “1400 mil euros de facturação” e, sublinha, “mesmo assim, o banco achou que não me podia emprestar 50 mil euros”.

Em todo o processo, diz não ter recebido “um único tostão”. “Vou em 100 mil euros de salários e acertos de férias.” Que medidas poderiam ajudar? “Agora já nada me serve”, lamenta. A pagar as dívidas ao Estado, não decreta insolvência “porque ainda era pior”. E, acrescenta, “ainda tenho dez mil euros do IVA a receber, mas estou há quatro meses à espera desse reembolso, que me ajudava a liquidar metade do meu incumprimento”. As Finanças respondem-lhe apenas que o caso está “para análise”.

Depois de meses com o sector a avisar que estava a chegar ao limite, no início deste ano começaram a ser mais visíveis os encerramentos de restaurantes. O Kitchen Dates, também em Lisboa, um projecto de Rui Catalão e a Maria Antunes, nasceu com o objectivo de mostrar que é possível ter uma cozinha com desperdício zero.

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Maria no Kitchen Dates, o espaço, em Telheiras, que agora vai fechar as portas Vera Moutinho

Na quarta-feira à noite, os dois estiveram num directo no Instagram a explicar aos clientes que, ao fim de onze meses “de uma luta desigual contra uma pandemia que destruiu a essência daquilo que tínhamos planeado”, tinham chegado “a um ponto de desgaste mental, emocional e físico sem retorno”. Com a mesa comunitária, pensada para encontros entre gente que não se conhecia, vazia, e o Kitchen Dates “reduzido a um serviço de entregas ao domicílio”, optaram por fechar.

Porque trabalharam “14 a 16 horas por dia”, conseguiram manter uma facturação razoável e isso fez que com que não fossem elegíveis para apoios (incluindo os da Câmara de Lisboa, dado que a sede da empresa está registada em Sintra). “Teria sido mais conveniente não termos trabalhado tanto”, desabafam. Fecham sem dívidas, mas a precisar de descansar e de “curar as feridas e as mágoas que ficaram dos últimos meses”.

Com outra escala, à frente de um grupo com cinco restaurantes e 68 funcionários (neste momento reduzidos a 56), João Bandeira tinha feito “o investimento de uma vida” num “sonho que já tinha há mais de 20 anos”, para abrir em Janeiro de 2020, “quando ainda não se falava de pandemia”: a renovação do andar superior do Via Graça, em Lisboa, transformado num restaurante de fine dining. Foi perto de um milhão de euros para um local que até hoje pouco conseguiu estar aberto.

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Carlos Dias do restaurante Adamastor, em Aveiro, num protesto no final de 2020: não poder trabalhar aos fins-de-semana foi a machadada final para muitos restaurantes Adriano Miranda

O grande problema, explica, não é o tipo de apoios. “O Governo comunica muito bem. O problema é que os apoios de que eles falam não chegam às empresas. Estamos a receber o layoff com dois meses de atraso.” Feitas as contas aos meses que antecederam o segundo confinamento, conclui o mesmo que Rui e Maria: “Fechado perdia menos dinheiro. O Estado dá apoio a quem está fechado, a quem vai trabalhar, não dá.” Como é que se aguenta uma situação destas? “Com as economias de uma vida, que estão a ser destruídas.”

"Houve fechos e vai haver mais"

Quando ouve o argumento de que, antes da pandemia, os empresários da restauração “estavam a ganhar muito dinheiro”, lembra que estavam também a investir muito e a ajudar a economia a crescer. Nesse processo, recorreram à banca, contraindo empréstimos com base no que podiam pagar em 2019 — “O que agora me preocupa muito porque duvido que 2022 seja igual a 2019.”

O Grupo Sea Me é um exemplo de uma empresa que nos últimos anos investiu e cresceu, aumentando o número dos seus restaurantes (Sea Me, Prego da Peixaria, Soão, Meat Me). O mais dramático, diz António Querido, um dos sócios, foi a situação em zonas de turismo como o Chiado ou o Príncipe Real, onde a clientela desapareceu completamente. Com a agravante de que mesmo para delivery, e de acordo com a forma de trabalhar das empresas de entregas (com raios de 3 a 4 km), “nessas localizações, metade do perímetro é rio”, e a outra metade “não tem praticamente residentes”.

Apesar disso, a estratégia do grupo foi apostar nas “dark kitchens”, cozinhas de produção para apoio ao take-away e entregas ao domicílio – no último ano abriram três, em Telheiras, na Parede e em Almada – e na criação de novas marcas mais adaptadas a esta realidade, como os hambúrgueres Olívia ou a comida mexicana Amor Y Odio.

“Nem no pior cenário pensámos que estaríamos nesta situação hoje”, diz Querido. “A nossa expectativa era que no segundo semestre de 2021 as coisas estariam já normalizadas e neste momento é um ponto de interrogação.” Compreende a dificuldade de gerir uma situação destas, mas faz uma crítica ao Governo: “Existem atrasos claros nos reembolsos do layoff.

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Manifestação de protesto do sector da restauração, no final de 2020 Daniel Rocha

Fora das grandes cidades, a situação tem outras especificidades. O take-away e o delivery não são opções em zonas isoladas como a Praia Fluvial da Louçainha na Serra do Espinhal (Penela), onde João d’Eça Lima tem o restaurante Xisto. Soluções? “O grande problema são os atrasos. É preciso acelerar os processos de entrega dos apoios e flexibilizar as medidas, porque os restaurantes são muito diferentes uns dos outros.”

Defende, além disso, um desconfinamento seguro, mesmo que mais tardio. O que não pode acontecer é o risco de voltar tudo atrás. “É fundamental recuperarmos a confiança. E neste momento Portugal está com uma imagem muito má.” O facto de muitos restaurantes da região terem uma estrutura familiar pode facilitar, mas João está convencido de que, apesar disso, grande parte não irá reabrir. “Quem conseguiu hibernar, hibernou. Mas houve fechos e vai haver mais.”