Mário Laginha: “Uns segundos e percebe-se logo que é Chick Corea!”

O músico jazz que morreu esta semana era uma das referências do pianista português. Cruzaram-se em palco várias vezes. Um dia o americano elogiou-o. “Fiquei a levitar”, recorda agora Mário Laginha.

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Para Mário Laginha, um dos mais reconhecidos pianistas portugueses oriundos do meio do jazz, e que ao longo da sua carreira tem experimentado muitas outras linguagens em diversos projectos, o americano Chick Corea, que morreu na terça-feira, constituía uma das suas grandes referências. “Ouve-se uns segundos e percebe-se logo que é Chick Corea!”, diz-nos. “Não há muitos que se identifiquem tão rapidamente. Isso demonstra o quão único era. Era um pianista incrível.”

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Para Mário Laginha, um dos mais reconhecidos pianistas portugueses oriundos do meio do jazz, e que ao longo da sua carreira tem experimentado muitas outras linguagens em diversos projectos, o americano Chick Corea, que morreu na terça-feira, constituía uma das suas grandes referências. “Ouve-se uns segundos e percebe-se logo que é Chick Corea!”, diz-nos. “Não há muitos que se identifiquem tão rapidamente. Isso demonstra o quão único era. Era um pianista incrível.”

Foi na adolescência, “pelos 17 ou 18 anos”, quando se apaixonou irremediavelmente por jazz, que a sua relação com a música de Corea se foi aprofundando. “Não é segredo nenhum que o meu herói nessa época, o meu ídolo total, era o Keith Jarrett, mas havia vários pianistas que me fascinavam e que foram muito importantes na minha formação e o Corea é um dos mais relevantes. Ouvia vários discos dele e fazia aquilo que qualquer pianista faz que é tentar reproduzi-lo, ouvindo e pensando: ‘deixa lá ver se eu consigo tocar também aquilo’. Aconteceu-me muito isso com a sua música. E muitas vezes nesse esforço de se tentar, acaba-se por não se chegar lá, mas encontram-se outras coisas pelo caminho que são importantes para moldarmos a nossa própria identidade.”

Na década de 1990, em dueto com a cantora Maria João, quando andavam em digressão pela Europa, cruzaram-se várias vezes com ele. “Tocávamos em muitos festivais de jazz, principalmente na Alemanha, e até aconteceu diversas vezes, eu e a Maria João, em quarteto, tocarmos antes dele, no mesmo palco”, recorda. Desses encontros recorda alguém que foi sempre “incrivelmente elogioso”, com destaque para um festival em Innsbruck, na Áustria. “Ele assistiu ao nosso concerto e veio falar connosco para nos dizer que tinha adorado”, recorda agora. “Percebia-se que não era uma conversa simpática de circunstância e acabámos a jantar juntos, com a mulher dele. E fez imensas perguntas sobre a música e as influências. Tinha mesmo gostado! Fiquei a levitar uns dias. Alimenta sempre um pouco o ego quando um herói gosta daquilo que fazemos.”

Com uma carreira de mais de 50 anos, Chick Corea foi um músico extremamente prolífico, embarcando nas mais diversas aventuras. Existe quem lhe aponte fases irregulares e algumas paixões — como a música latina — que estão longe de gerar o consenso. “Não gosto de tudo o que ele fez e algumas das influências que trouxe para a sua música estão na fronteira de coisas das quais não gosto particularmente”, reflecte Laginha, “mas ele era mesmo um músico genial”. Ou seja, na sua visão, se é verdade que Corea criou coisas discutíveis, foi também esse arriscar que o “levou a fazer coisas que acabaram por torná-lo tão singular.”

E dá um exemplo: “Vi alguns concertos dele a solo em que aconteciam coisas paradoxais. Havia momentos em que dava por mim a pensar: ‘não estou a gostar muito disto’. Mas, de repente, a seguir, tocava uma coisa em que me apetecia ajoelhar e pedir desculpa por ter tido esse tipo de pensamento, porque havia sido absolutamente genial! Era muito ecléctico, experimentou imensas coisas, mas era um músico fabuloso.”