Diálogo com Pedro Nuno Santos

Sendo certa a análise de Pedro Nuno Santos, a pergunta que fica é o que fará dela. É que os “bloqueios externos e internos” resultam das escolhas ideológicas às quais o PS se rendeu.

Há uma velha piada que tem sempre renovada utilidade política. Certo dia, um homem que se considerava um grão de milho foi internado num hospício devido à sua patologia. Durante semanas os médicos esforçaram-se para o convencer que ele não é um grão de milho, é um ser humano. Assim que se reconhece enquanto ser humano, é autorizado a sair do internamento. No entanto, ao abrir a porta da rua sofre uma recaída e fecha rapidamente a porta: do lado de fora estava uma galinha e ele teve medo de ser comido. “O senhor sabe bem que não é um grão de milho, é um ser humano”, disse o médico. “É claro que eu sei”, responde o homem, “mas será que a galinha sabe?”.

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Há uma velha piada que tem sempre renovada utilidade política. Certo dia, um homem que se considerava um grão de milho foi internado num hospício devido à sua patologia. Durante semanas os médicos esforçaram-se para o convencer que ele não é um grão de milho, é um ser humano. Assim que se reconhece enquanto ser humano, é autorizado a sair do internamento. No entanto, ao abrir a porta da rua sofre uma recaída e fecha rapidamente a porta: do lado de fora estava uma galinha e ele teve medo de ser comido. “O senhor sabe bem que não é um grão de milho, é um ser humano”, disse o médico. “É claro que eu sei”, responde o homem, “mas será que a galinha sabe?”.

Serve esta história para participar na reflexão iniciada por Pedro Nuno Santos (PNS) em que se debruçava sobre os resultados das eleições presidenciais e o papel do Partido Socialista nesse processo. A tese apresentada por PNS é a de que a ausência de uma candidatura partidária às eleições presidenciais foi uma cedência a uma tática centrista, cuja consequência a prazo é o reforço da extrema direita.

Começo por dizer que a tese central de PNS não é nova, já o afirmou publicamente em 2018 e, desta feita, apenas usa o quadro das eleições presidenciais para procurar a sua validação. Não é passível, portanto, de ser criticado pelo calendário escolhido, pois nem a democracia está suspensa nem as eleições presidenciais devem passar sem análise. Estranho algumas vozes que, sem ir ao conteúdo, se ficam pela crítica do timing para fugir à discussão ou aprofundar argumentos.

Também me parece que a escolha do centro por parte do PS não começou nas eleições presidenciais. A retórica escondida da maioria absoluta nas eleições legislativas de 2019 já era uma resposta à pergunta fundamental que se levantou desde que António Costa chegou ao Governo: seria a mudança política iniciada em 2015 uma viragem à esquerda do PS ou apenas um parênteses na deriva centrista em que o PS (e os restantes PS pelo mundo fora) embarcaram desde a “terceira via”? Ao pretender “governar sem empecilhos” e libertar-se dos partidos à esquerda, esse centrismo afirmava-se como um novo programa político face aos anos da “geringonça”. A esta distância temporal, é mais visível que a rejeição de qualquer acordo político à esquerda no pós-legislativas já era parte estrutural da nova arrumação partidária pretendida, processo consumado no Orçamento do Estado para 2021.

Regressando às presidenciais, para reforçar a tese dessa tentação centrista, olhemos as palavras de Carlos César: “graças aos eleitores socialistas, a democracia venceu na primeira volta”. Seguindo a retórica que vimos noutros países (exemplo de Macron é o mais recente), a análise omite a dicotomia entre esquerda e direita e reduz a escolha à disputa entre a democracia e o campo não democrático. A consequência deste pensamento é bem resumida por PNS na centralidade que foi dada ao candidato de extrema direita.

Sabemos que a política não pode ser apenas a arte do possível. Quem aceita essas vistas curtas pode pensar que se manterá no poder se a direita ficar refém da extrema direita para governar ou usando essa chantagem com os partidos à esquerda. Mas isso só serve para perpetuar o que existe e rejeitar as respostas e avanços que as pessoas exigem para as suas vidas, rejeitar o combate às desigualdades e aos atrasos do país que criam o desalento e o descontentamento que a extrema direita pode cavalgar.

Por isso, sendo certa a análise de PNS, a pergunta que fica é o que fará dela. É que os “bloqueios externos e internos” resultam das escolhas ideológicas às quais o PS se rendeu. A relação com a propriedade pública e a defesa dos serviços públicos, as metas do défice e a execução orçamental, a fiscalidade, a resposta às desigualdades sociais e à pobreza, a defesa do mundo do trabalho, o combate às várias formas de precariedade ou a submissão à União Europeia são os dilemas por resolver. O dossier da TAP bem o demonstra.

Por isso, voltando à história com que comecei este artigo, afirmar a deriva centrista é importante e defender um posicionamento de esquerda igualmente. Mas a pergunta que fica é: o PS confiará nisso?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico