Uma birra por causa dos trabalhos de casa

Mesmo com os filhos mais atinados que, sabe-se lá como, interiorizaram o prazer de despachar os trabalhos de casa para depois descontraírem melhor, há sempre uma ou outra pergunta que traz o drama.

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@designer.sandraf

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Querida Mãe,

TRABALHOS.DE.CASA.

Preciso de dizer mais alguma coisa para que perceba como isto é uma birra à espera de acontecer?

Há estudos sobre os benefícios dos trabalhos de casa (adequados) e há também estudos sobre a inutilidade dos mesmos e durante muito tempo andava com citações no bolso contra os TPC's para parecer inteligente e fundamentada nas minhas opiniões. Mas não é sobre nenhum desses estudos que lhe quero falar hoje (embora se tiver interesse aqui há um bom apanhado).

Eu venho apresentar experiência. Cientificamente vale o que vale, eu sei, mas como a Birra é minha, faço o que quiser!

O cenário é este (será só em minha casa?): Os miúdos chegam da escola e durante 20 minutos falam alegremente sobre o que lá se passou. Encostam-se no banco do carro, tiram a máscara e respiram fundo. Quando chegam a casa descalçam os sapatos, atiram-se para o sofá e respiram ainda mais profundamente. E depois um diz “Oh não! Temos trabalhos de casa!” É ai que tudo começa...

Os filhos mais procrastinadores vão adiando mas sempre com a sensação que estão a adiar e que ainda tem de ser feito. Nós, mães, vamos insistindo, eles vão-se irritando; nós começamos a ver o filme que vai ser às oito da noite quando lhes dissermos que é hora de dormir e começarem em histerismo porque os TPC's não estão feitos e, com o cansaço acumulado, a tensão e a gritaria que vai ser fazê-los.

Mesmo com os filhos mais atinados que, sabe-se lá como, interiorizaram o prazer de despachar os trabalhos de casa para depois descontraírem melhor, há sempre uma ou outra pergunta que traz o drama. O enredo é sempre o mesmo, os diálogos previsíveis:

— Mãe ajuda-me!!!!

— Claro, estou aqui, deixa-me ler a pergunta...

— Não!! Isto é horrível, nem devíamos ter trabalhos de casa hoje, isto é uma injustiça. (15 minutos de vitimização)

— Está bem, mas vamos só fazer esta, vês é assim...

— Não é nada!!!! A mãe não sabe nada, não é assim que a professora explica!!!!! (15 minutos de irritação)

Mãe, amua, levanta-se, e quando chega à cozinha ouve:

— Mãe, ajuda-me!

e recomeça tudo outra vez, até que a mãe desesperada faz as contas por ele!

Por isso a minha opinião científica é a seguinte: os estudos mostram como os trabalhos de casa podem ser úteis para a criança rever e consolidar a matéria, de forma autónoma, desenvolvendo bons hábitos de estudo. Já a minha experiência garante que são úteis para consolidar a certeza de que sou a favor de uma sociedade que não leve trabalho para casa, de pais mais presentes quando lá estão, de preservarmos tempo e espaço para o lazer, descanso e vida familiar, sem a sombra de “um exercício”. Serve também para atestar que as crianças que não têm apoio dos pais estão claramente em desvantagem e que os benefícios que eventualmente podem trazer não superam a sanidade mental dos pais. E não me venham cá com “são só 3 exercícios fáceis”, porque quando saio do trabalho e só tenho “um e-mail para responder” já fico outra pessoa do que quando deixo o trabalho à porta.

Beijinhos


Querida Ana,

É neste momento que me sinto velha. E preocupada por tão pouco ter mudado na escolha. Lembras-te do Sindicato das Crianças, que fundei com o Eduardo Sá, o Mário Cordeiro e outros activistas dos direitos das crianças? Como já foi há quase 20 anos, refresca a memória com uma visita a esta notícia do PÚBLICO de então.

Bem, a nossa primeira proposta foi a favor das crianças em instituições, e a segunda — em 2004 — uma Greve aos TPC's, porque achámos que um sindicato que defendia crianças não podia ficar calado perante a sobrecarga de trabalho que os estudantes tinham, e não são só os mais pequenos. Contra a escola omnipresente que não deixa tempo para mais nada, contra um horário de trabalho mais pesado do que o dos adultos — basta somares o tempo de escola e o tempo de TPC's. Lembro-me do Mário Cordeiro ter sintetizado a nossa luta numa entrevista em que disse: “Os TPC's diários, na versão ‘mais do mesmo’, são uma invasão da privacidade, na pior hora possível para a família e quando o aluno não tem capacidade de resposta, originando stress familiar e pessoal. Deviam ser abolidos.”

Ou seja, basicamente a nossa argumentação era parecida com a tua. O registo da marca “Sindicato das Crianças” está feito, a realidade pelos vistos mudou pouco, por isso pega na chama olímpica e continua a nossa luta. As crianças agradecem.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.