Na sua Constituição Comentada, Marcelo não diz que a eutanásia é inconstitucional

Aluna de Marcelo Rebelo de Sousa no mestrado, Isabel Moreira leu com atenção a obra do agora Presidente da República e garante que “não é dito em lado nenhum que é inconstitucional à partida a despenalização da eutanásia em situações específicas”.

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Nuno Ferreira Santos

Coube a Isabel Moreira, constitucionalista de formação, elaborar o texto que reuniu as propostas de despenalização da morte medicamente assistida já aprovadas no Parlamento. 

Elaborou o texto de substituição das várias propostas aprovadas sobre eutanásia optando pela designação morte medicamente assistida? Porquê? É uma questão psicológica?
É a designação utilizada pelos especialistas, e é muito importante que se perceba que não há despenalização sem uma intervenção médica.

Qual foi a maior dificuldade na redacção do texto? Como vai tentar garantir a sua constitucionalidade?
Os textos originais, em particular o do PS, tinham essa preocupação desde o início. Na elaboração do texto de substituição, tentei ir buscar o melhor de todos os projectos e todos tinham essa preocupação comum: o respeito pela autonomia do doente para que seja uma decisão livre, séria, esclarecida, tomada por uma pessoa maior numa situação absolutamente excepcional, que percorre várias etapas, validadas várias vezes, registadas sucessivamente, com várias intervenções de diferentes especialidades médicas. Para estar assegurada a dignidade humana, têm de estar garantidas todas as condições e o conforto de que é respeitada a Lei Fundamental.

Quando é que o processo legislativo vai estar concluído?
Estamos a terminar o processo no grupo de trabalho, depois terá de ir à Comissão de Assuntos Constitucionais para se ratificarem as votações indiciárias. Penso que em três semanas [a entrevista foi dada a 9 de Dezembro] estará em condições de ser enviado para o presidente da Assembleia da República para agendamento da votação final global. A partir daí, escapa-me.

Já falou com Marcelo Rebelo de Sousa, seu antigo professor no mestrado, sobre a lei? O que espera do Presidente da República?
Eu não falo com o Presidente senão em situações institucionais, mas li o que está escrito na Constituição comentada que escreveu com o professor José de Melo Alexandrino, em que me parece claro que é feita uma opção pela liberdade de conformação do legislador. Isto é, não é dito em lado nenhum que é inconstitucional, à partida, a despenalização da eutanásia em situações específicas. Depois, claro, o texto em si é que terá de ser analisado.

Nasceu no dia em que foi aprovada a Constituição Portuguesa, 2 de Abril de 1976. O que é que isso significa para si?
(Sorrisos) Eu acabei por fazer o mestrado em Direito Constitucional, por dar aulas de Direito Constitucional… É uma coincidência feliz, é só isso. É só uma graça, não me dou mais importância que isso.

Nasceu no Rio de Janeiro, numa família de direita que viajou para o Brasil temendo consequências pessoais da revolução de Abril. Em que momento decidiu – ou tomou consciência – que era de esquerda?
Fui tomando… Há momentos na minha vida fundamentais para a minha formação como mulher de esquerda: o meu professor de Filosofia do 12.º ano, o estudo de Direito Constitucional, que é um direito político. É impossível não se ter uma abordagem política dos direitos fundamentais e do papel que o Estado deve ter na defesa dos direitos pessoais, sociais e políticos. Aí começo a perceber que me sinto mais confortável à esquerda. E depois, claro, nas questões de igualdade que me foram nascendo e às quais me atirei com muita força e que senti que era na esquerda o meu espaço de luta, onde me sentia integrada.