Marcelo — no labirinto do tabu

Marcelo é um artista completo. De tão artista que é talvez ele acredite que se pode acreditar no que ele diz. Um labirinto.

Marcelo não gosta mesmo nada do cargo que desempenha. Uma vez, há já muitos anos, disse que tinha tido um sonho que era o de ser primeiro-ministro, mas isso foi antes de passar a vida na televisão. Depois de o sonho não se ter cumprido como primeiro-ministro, nem ter sido eleito presidente da Câmara Municipal de Lisboa, apesar do mergulho no Tejo, Marcelo foi eleito Presidente da República. Não foi um sonho; foi o que estava à mão.

Conseguiu finalmente ganhar uma eleição namorando o eleitorado à esquerda do PSD. Marcelo foi à Festa do Avante!. Para que não houvesse dúvidas anunciou previamente que ia. Não tirou selfies porque na altura ainda não era o homem afetuoso em que a presidência o veio transformar.

Na presidência e foi o que se viu. Tudo menos populista. Ele não parou um segundo.

Foi ao Barreiro à ginjinha; ao mar de Cascais sem ninguém saber e deu umas braçadas, mas foi apanhado, rezam as imagens das televisões. Saiu disparado para salvar os feridos e a avioneta que tinha caído para os lados de Tires. Foi tomar a vacina contra a gripe, exibindo a peitaça. Andou de camião TIR durante a noite para saber como são elas. Cogitou, cogitou e arranjou modo de ir nadar sem a guarda naval o ver por causa do confinamento. Foi dar um mergulho algures num dos rios da nossa amada Lusitânia, sem os jornalistas saberem, mas que relataram.

Enviou três mil e tinta e sete mensagens a atletas portugueses que ganharam prémios ou estiveram próximos de ganhar. Foi ao Brasil à tomada de posse do irmão Bolsonaro e convidou-o a visitar Portugal o que teria todo o apoio de André Ventura se ele nessa altura não estivesse na Autoridade Tributária a safar uns desgraçados que não conseguiam fugir ao fisco e queriam ver como escapar de levar à coleta alguns poucochinhos milhões de euros. Foi acabar com o irritante a Angola e por lá nadou e teve muita gente na berma da estrada a acenar com bandeirinhas, parecia que aquilo tinha acontecido há umas décadas quando o cabeça de abóbora visitava aquela extraordinária e rica Província Ultramarina, cujo povo era português de gema, só que os independentistas estragaram aquela alma.

Marcelo, do alto do seu cargo, com a gravitas ponderada na exata proporção do passo dado (cum grano salis) participou no programa da Condessa da Malveira, a nossa desempoeirada e multimilionária Cristina, ao tempo vedeta da SIC, hoje em queda na Bolsa de Valores do luso entretenimento. Ele recebeu influenzers. Ficou de quarentena na sua casa em Cascais e falou ao país de uma varanda onde não usou escadote por causa do corona vírus não subir e poder cair nalgum jornalista.

Marcelo pensava que no verão o número de casos na região de Lisboa não ultrapassaria os cem casos.

Marcelo aprendeu com Portas a via-sacra das feiras, tascas, ajuntamentos de mais de três pessoas e foi o que se viu. Um fartote com toda a gente a querer ter o Presidente na sua casa, na sua rua, na sua aldeia, na sua vila, na sua cidade, onde calhasse.

Muito a sério, Marcelo disse a Costa mais ou menos isto: tenha cuidado com a Lei da Saúde porque isto dos privados não entrarem nas parcerias público-privadas não dá. Eles, os privados, têm direito ao público, ou o senhor primeiro-ministro é dos que pensam que o SNS é só para quem o paga e não é para quem não o paga? Ou o senhor não sabe que eu votei contra o SNS, e quer-me fazer essa desfeita?

Marcelo foi a todos os grandes incêndios e dixit ou eles se apagavam ou o governo ia à vida e não se recandidatava. Reparem não se recandidatava. Volta a sublinhar-se o verbo recandidatar. Pois. Apagaram-se os incêndios. O governo não foi à vida. E ele não sabe se se vai recandidatar.

Marcelo é um artista completo. De tão artista que é talvez ele acredite que se pode acreditar no que ele diz. Um labirinto.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

  

       

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