Três mulheres criaram uma “rebelião pacífica” (e visual) contra os standards de beleza

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“Quero ser magra, quero ser alta, quero ser magra, quero ser alta…”: o “mantra” foi proferido repetidamente em frente ao espelho por duas irmãs que davam as mãos. Uma delas era Yolanda Y. Liou. Na altura, a fotógrafa ainda não fazia ideia que iria conseguir encontrar “tranquilidade” na cultura ocidental: afinal, como uma criança asiática, sabia que o padrão de beleza era, irremediavelmente, ser magra. “Estava sempre a tentar perder peso para pertencer ao padrão. O que [a vontade de ser magra] me fez física e psicologicamente foi horrível”, escreve ao P3. Quando se mudou para a Austrália e, posteriormente, para o Reino Unido, começou a ver o corpo “de forma diferente”. “É um ambiente que te encoraja a seres tu própria”, acredita.

Já andava a pensar no tema da imagem corporal quando se cruzou com o Instagram da modelo Enam Asiama. Foi “conquistada pela sua confiança e carisma”. E pensou: “Eu sou fotógrafa, crio imagens, não são as imagens que me criam.” Combinou um encontro e propôs-lhe uma sessão fotográfica — Enam aceitou e convidou a amiga e também modelo Vanessa Russell. A ideia inicial era fotografar diferentes sujeitos com diferentes tipos de corpos, mas a “bonita amizade” que criou com Enam e Vanessa — aliada à “expressividade criativa” de ambas — fez com que optasse por expandir este projecto apenas com elas. “Evoluiu para uma narrativa colaborativa”, onde as três puseram de lado a dinâmica tradicional fotógrafo-modelo, na qual o primeiro diz à segunda o que fazer. Pelo contrário, trocavam ideias e um projecto que nasceu como individual acabou por se transformar em algo colectivo. “Só pode funcionar quando há uma fundação sólida e respeito pela abordagem artística de cada uma”, defende a fotógrafa. E quando há uma boa dose de afecto mútuo.

Foram dispensadas equipas de estilistas, cabeleireiras ou maquilhagem. Yolanda queria captar as duas amigas “o mais confortáveis com elas próprias e nos seus próprios estilos” e, com isso, mostrar como “podemos estar absolutamente confortáveis na nossa pele”. “Deixava-as tentar coisas diferentes, às vezes dava algumas instruções e desafiava-as a mostrarem os seus lados mais vulneráveis ou escondidos, o que apenas pode ser alcançado quando há uma confiança intransigente em si próprias e em mim, enquanto fotógrafa”, afirma. No final de cada sessão, Yolanda dizia-lhes: “Obrigada por brincarem comigo.” Por isso, baptizou o projecto Thank You For Playing With Me. “Era literalmente assim que me sentia, como se estivesse a brincar com a minha irmãzinha”, conta.

Thank You For Playing With Me quer ajudar a perceber “porque é que as pessoas acham estas imagens chocantes” e porque é que estamos “condicionados a ver o que é ‘normal’”. E fazer um convite: “Revê como e o que andas a ver — nos outros e em ti.”

“A pessoa mais desrespeitada na América é a mulher negra. A pessoa mais desprotegida na América é a mulher negra. A pessoa mais negligenciada na América é a mulher negra”: Enam Asiama cita Malcom X para falar deste projecto que foi concebido para ser exposto na Crypt Gallery, em Londres, mas que acabou por ficar em terceiro lugar no concurso Taylor Wessing Photographic Portrait Prize. “Nós, como pessoas negras, sabemos que a negritude é universal, o que significa que as dificuldades [de ser negro] transcendem globalmente”, escreve Enam, numa nota enviada ao P3. “Essas ideias não só continuam a representar a inquietação de muitas gerações de pessoas negras, como nos relembram que as iniciativas e intuições da mulher negra levaram a muitas lutas contra a desigualdade e injustiça. Se entendermos isto, entendemos que as nossas identidades e heranças — taiwanesa, ganiana, jamaicana e britânica — são muito importantes e precisam de ser canalizadas para a nossa arte”, continua. Com este trabalho, espera que a mensagem “vá além de uma fotógrafa e duas modelos” e que seja uma “representação cultural de feminismo interseccional”.

“Estamos condicionadas a encolher-nos em standards que são irrealistas e não apoiam quem somos. Este projecto é um grande ‘F-you’ para essas condições tóxicas em que convivemos e acreditamos ser a forma correcta de o fazer”, refere Vanessa Russell. É sobre “amor-próprio sem medos e respeito mútuo pelas diferenças”. É, atreve-se a dizer, “uma rebelião pacífica”.

Yolanda Y Liou
Yolanda Y Liou
Yolanda Y Liou
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