“Não nos subsidiem, invistam em nós”, pediram os agentes culturais no Campo Pequeno

Centenas de profissionais das artes reclamaram do Governo um apoio a fundo perdido. “Salvaram a TAP ou a Efacec. Está na hora de dizerem se querem ou não salvar a cultura.”

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RUI GAUDÊNCIO

Não querem ser olhados como despesa, mas sim como um investimento seguro no futuro do país. Para sobreviverem a esta fase, reclamam um apoio a fundo perdido – proveniente não do Orçamento do Estado, mas da “Bazuca Europeia” – correspondente a 20% da quebra de facturação das empresas e a 40% da quebra do rendimento de artistas, técnicos e profissionais do espectáculo, a ser pago em duodécimos, de Janeiro a Dezembro de 2021. Foi assim que se posicionaram, esta manhã, no Campo Pequeno, em Lisboa, centenas de agentes reunidos numa manifestação pela cultura promovida pela Associação de Promotores de Espectáculos Festivais e Eventos (APEFE).

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Não querem ser olhados como despesa, mas sim como um investimento seguro no futuro do país. Para sobreviverem a esta fase, reclamam um apoio a fundo perdido – proveniente não do Orçamento do Estado, mas da “Bazuca Europeia” – correspondente a 20% da quebra de facturação das empresas e a 40% da quebra do rendimento de artistas, técnicos e profissionais do espectáculo, a ser pago em duodécimos, de Janeiro a Dezembro de 2021. Foi assim que se posicionaram, esta manhã, no Campo Pequeno, em Lisboa, centenas de agentes reunidos numa manifestação pela cultura promovida pela Associação de Promotores de Espectáculos Festivais e Eventos (APEFE).

Como seria de esperar, dado o contexto pandémico, não foi uma manifestação clássica. Houve bilhetes e distanciamento físico entre lugares, ou seja, cumpriram-se as regras que a Direcção-Geral de Saúde impõe a qualquer espectáculo. Essa foi aliás uma das contínuas reafirmações do evento: “A cultura é segura.” Do circo ao teatro e à dança, várias áreas da cultura e do entretenimento fizeram-se representar no protesto, mas a música fez-se notar mais. Viram-se na assistência actores como Miguel Guilherme ou Filipe Vargas e, nas primeiras filas, músicos como David Fonseca, Samuel Úria, Kalú, Carminho, Boss AC, Hélio Morais, Mariza, Ricardo Ribeiro, Fernando Ribeiro, Pacman, João Gil, Tony Carreira ou o promotor Luís Montez.

Em quase todos os discursos – uns ao vivo, outros transmitidos por vídeo , enalteceu-se o papel da cultura enquanto factor identitário e de coesão social, mas também o seu contributo para a dinamização económica, ao mesmo tempo que se salientou que o sector foi o primeiro a ser atingido e muito provavelmente será o último a reerguer-se, com consequências no aumento do desemprego, em falências e insolvências, e na saúde mental do país.

Não faltaram, aliás, ao longo das duas horas de protesto, palavras como “colapso”, “abismo” ou “cadafalso”. Sandra Faria, da direcção da APEFE, disse que neste momento há “130 mil trabalhadores” que não sabem o que lhes irá acontecer, porque na área dos eventos culturais a quebra “entre Janeiro e Outubro” foi de 87% face a 2019. “O que fazer? Vamos fechar teatros, livrarias, galerias, salas, festivais?”  A bailarina e coreógrafa Filipa Peraltinha, discorreu sobre o seu percurso, e as dificuldades do mesmo, de forma emocional, e no final deixou uma pergunta que se repetiu: “O que seria de um país sem cultura?”

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O Estado e o Governo foram continuamente chamados à atenção. “Muitas vezes substituímo-nos ao Estado, chegou a hora de o Estado olhar para nós”, defendeu Pedro Magalhães, da Associação Portuguesa de Serviços Técnicos para Eventos, destacando que existe um sentimento de injustiça perante as medidas governamentais. “É preciso que exista uma distribuição justa das ajudas, de acordo com as perdas.” João Carvalho, responsável pelo festival Paredes de Coura, fez questão de desfazer aquilo que considera ser um equívoco: “A maioria olha para os festivais como máquinas de fazer dinheiro. Não é verdade. Muitos já estiveram à beira da falência. São empresas de alto risco que dão trabalho a milhares, mexem com a economia, atraem turismo.” 

Por vídeo, o actor e humorista Bruno Nogueira sublinhou que na relação entre o sector e o Governo existe um problema de comunicação de base. “O diálogo está sempre inquinado, porque o objectivo do Governo nunca é resolver, é remediar.” O actor José Raposo foi até mais longe, dizendo que a “senhora ministra da Cultura” deveria estar ali presente, tendo a sala reagido com palmas. Mas não foi apenas o Governo a estar na mira. A Associação Portuguesa de Empresas e Artistas de Circo reclamou que estas são “vítimas de xenofobia artística e cultural”, dirigindo críticas ao PAN por este partido ainda não ter revelado “qualquer interesse pela situação dos animais de circo.”

Salvar ou não salvar a cultura

Um dos discursos mais aplaudidos da sessão foi o do ilusionista Luís de Matos, que fez questão de dizer que em 25 anos nunca solicitou ajudas estatais, acusando o Governo de, nesta fase, quando é vital, ignorar o sector e “anunciar medidas hipócritas”, como a permissão da realização de espectáculos matinais que “não são solução para nada”, e de não ser explícito no “incentivar os portugueses a irem a espectáculos”. Em concreto pediu o “congelamento dos pagamentos ao Estado”, sublinhando que os governantes só são sensíveis aos números. “Nesse sentido, a única coisa importante a dizer é: se nos deixarem sobreviver, somos um bom investimento e negócio para o país.” E ironizou: “Seria também bom que não deixassem morrer todos os técnicos, se não, para o ano, não haverá comícios e campanhas partidárias.”

Pedro Abrunhosa, via vídeo, pediu uma muito maior dotação orçamental na cultura, uma presença política mais visível da ministra, uma actuação governamental mais consentânea com a dignidade que a cultura merece e “a atribuição, no mínimo, de 2% das verbas europeias que vêm aí”.

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Na mesma linha foi a intervenção de Álvaro Covões, da direcção da APEFE, e responsável pela promotora Everything Is New, que começou por mostrar perplexidade por não haver uma linha” sobre o sector no Plano de Recuperação e Resiliência. Dirigindo-se ao Governo, solicitou que este “passe à acção”, mas também não esqueceu o principal rosto da oposição: “Dr. Rui Rio, venha ao teatro para se sensibilizar. E para, enfim, nos compreender.” Tal como outros intervenientes, sublinhou que a postura não pode ser apenas a “ajuda”, o “subsídio”, mas sim o “investimento”, garantindo que o sector já deu imensas provas, ao longo dos últimos meses de que é “capaz de garantir total segurança.”

O manifesto divulgado há dias pela APEFE foi depois aplaudido, quando Covões elencou a exigência de “um apoio a fundo perdido” ao abrigo da “Bazuca Europeia”: os 13,2 mil milhões de euros (a preços de 2018) que Portugal vai receber em subvenções (a fundo perdido), até 2023, através do Mecanismo de Recuperação e Resiliência.

No manifesto é também solicitado ao Governo “o adiamento, por mais um ano, das moratórias e dos créditos empresariais, até Setembro de 2022, e o acesso a linhas de crédito com carência de capital por um ano e meio e máximo 1% de spread e comissões bancárias incluídas.”

“Temos o orçamento da União Europeia mais baixo para a Cultura. Nas últimas décadas decidiu-se, e bem, salvar a agricultura e as pescas. E mais recentemente o governo decidiu salvar a TAP ou a Efacec. Está na hora de dizerem se querem ou não salvar a cultura”, concluiu o promotor.