Não é o grande reset, mas a grande divisão

Os países e os governos ficaram presos à contabilidade diária de mortos, infectados e testes positivos. Literalmente presos e receosos da opinião pública que as redes sociais se encarregam de amplificar.

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Bar em Atenas, na Grécia, durante Agosto sCostas Baltas/Reuter

Estava um dia bastante quente. Como é normal, de resto, em Atenas. Temperaturas de 35 graus a convidar a uma visita à praia ou a um refúgio mais refrescante. A capital grega, como tantas outras na Europa, esvazia-se quando Agosto chega. Este ano, sem turistas, caminhar pelos bairros atenienses é um exercício solitário e silencioso. Mas igualmente revigorante.

O surgimento de novos casos de covid-19 trouxeram recentemente alguma inquietude à Grécia. Com números de mortes e infectados baixos, comparativamente a outros países, o Governo grego abriu as fronteiras e permitiu a entrada a milhares de turistas de uma lista de países “seguros”. Depois de três meses confinados, os gregos sentem as dores da paralisação económica do país, sobretudo no sector turístico, com um peso importante nas contas públicas.

Em Atenas, a vida regressa ao normal logo em Maio. Cansada do confinamento, a juventude começa a sair de casa, a jogar à bola nas ruas. Abrem os cafés, os restaurantes e os bares. É como voltar a respirar. Sair de uma hibernação.

O maior problema foi a fase seguinte. Com a reabertura dos negócios, das viagens, dos hotéis, dos bares, dos restaurantes. A vida começa a regressar ao normal e, pouco a pouco, tudo começa a parecer menos lógico do ponto de vista da gestão política.

É o problema que se verifica em Atenas, Lisboa, Londres, Paris, Nova Iorque ou Madrid. Nenhuma das medidas tomadas para controlar o ressurgimento de casos positivos faz sentido aos olhos dos cidadãos que já começam a duvidar que o vírus e a pandemia sejam reais, tal o absurdo das medidas.

Continuo com o exemplo grego. Se existem tão poucas mortes e desde Junho que praticamente já todos regressaram à vida normal — e o número de casos fatais não se alterou —, isso pode indicar que as máscaras não são necessárias (ninguém as usa) ou que o vírus se tornou menos mortal e a imunidade dos nossos organismos começa a actuar.

Mas aquilo que, do ponto de vista da saúde e ciência, pode ter lógica, do ponto de vista político, não. Os países e os governos ficaram presos à contabilidade diária de mortos, infectados e testes positivos. Literalmente presos e receosos da opinião pública que as redes sociais se encarregam de amplificar.

A sociedade divide-se. As opiniões extremadas são a constante. Os conflitos surgem.

Este é o retrato da falência da lógica dos políticos. Se é obrigatório usar máscaras nos transportes públicos, por que razão não colocam mais transportes públicos? Não há mais trams, mais autocarros, mais comboios, mais carruagens de metro? De forma a evitar as “latas de sardinha”.

Se o objectivo é evitar o surgimento de novos casos de covid-19, por que razão não se investe onde esses surtos podem surgir? Porque é que se pode viajar e andar de transportes públicos sobrelotados e não se pode andar na rua sem máscara, como recentemente o Governo de Espanha decidiu?

E esta bipolaridade esquizofrénica é tal que sendo o Governo grego social-democrata, tal como o húngaro, partilham as mesmas directrizes de governos socialistas como o espanhol e o português. E, em cada um destes países, as oposições ou cidadãos com preferências partidárias diferentes defendem o mesmo que os seus opostos em países diferentes.

Este é o resultado de uma geração de políticos medíocres que gerem crises apenas com base na opinião pública e popularidade de curto prazo. Gestão de crises assentes no imediatismo. E, assim, não existe estratégia de combate à pandemia que resista.

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