O juiz Roy Bean e a lei a oeste de Pecos

Através da leitura da acusação do processo Lex percebe-se que houve pessoas, juízes — alguns também muito “populares” —, que sonharam, como Roy Bean, ser “a única lei a oeste do rio Pecos” ou junto ao Tejo.

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Uma das figuras caricatas do Oeste americano no fim do século XIX é o juiz Roy Bean, um dono de um saloon que se proclamava  — e era — “a única lei a oeste do rio Pecos”.

Roy Bean tinha um saloon, perto de uma estação de caminhos-de-ferro, onde vendia cerveja gelada e presidia aos julgamentos. Foi nomeado para uma vaga criada na zona e, apesar de não perceber nada de leis, foi reeleito e esteve à frente do bar e da justiça durante 14 anos.

Ainda que tenha multado um morto limpando-lhe os bolsos e tenha proferido várias sentenças bizarras (Langley não tinha prisão, as condenações eram multas que habitualmente correspondiam ao que cada um tinha no bolso), Roy Bean era muito popular. É uma das figuras lendárias do Oeste americano, inspiração para vários filmes (Paul Newman também fez de Roy Bean) e para um dos melhores livros de Lucky Luke — O Juiz.

Através da leitura da acusação do processo Lex percebe-se que houve pessoas, juízes — alguns também muito “populares” —, que sonharam, como Roy Bean, ser “a única lei a oeste do rio Pecos” ou junto ao Tejo. E, tal como Roy Bean obrigava muitos criminosos a consumirem no seu saloon, a dupla Rangel-Galante levou a teoria Roy Bean mais longe — segundo a acusação, houve muitos milhares de euros que serviram as respectivas contas bancárias.

Uma acusação destas, em que estão envolvidos vários magistrados, lança uma desconfiança assustadora sobre um dos pilares do sistema, a justiça. É “um sismo institucional”, como já lhe chamou nestas páginas o eurodeputado Paulo Rangel.

Já tínhamos o sismo institucional por via da política — em que a acusação a um ex-primeiro-ministro, José Sócrates, abalou profundamente os alicerces da sociedade e contribuiu seguramente para o crescente sentimento “antipolítico” que é visível para quem anda na rua.

António Costa e Fernando Medina foram salvos pelo gongo (Marcelo?) de estarem a defender a honra de Luís Filipe Vieira, que, segundo a acusação, pagava viagens ao juiz Rangel para ir ver jogos no estrangeiro. O não terem percebido que era preciso guardar uma distância de segurança relativamente a tudo isto foi das piores mensagens “antipartidos” e “antipolíticos” que Costa e Medina fizeram.

Felizmente, o juiz Roy Bean não é a única lei no Portugal do século XXI. A acusação agora vai seguir o seu caminho.

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