Empresas que usam plástico descartável sabotam leis e iludem consumidores, acusa relatório

Relatório internacional mostra “a hipocrisia das grandes empresas” que, por um lado, afirmam estar comprometidas com soluções, mas, por outro, “usam truques” para perpetuar “a sociedade descartável”.

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Yulia Khlebnikova/Unsplash

As empresas que mais usam plástico descartável no mundo têm “sabotado” as leis destinadas a reduzir as embalagens e a poluição, recorrendo a falsos programas e iniciativas voluntárias para distrair consumidores e governos, denuncia um relatório internacional divulgado esta quinta-feira, 17 de Setembro.

Uma investigação realizada em 15 países pela fundação holandesa Changing Markets e a coligação Break Free From Plastic, divulgada em Portugal pelas organizações ambientalistas Zero e Sciaena, demonstrou as discrepâncias entre o discurso e os compromissos públicos de grandes supermercados e marcas do sector alimentar e de bebidas. Os autores da investigação denunciam “manobras de bastidores” para boicotar a legislação que vise fazer frente ao problema das embalagens descartáveis.

“A poluição gerada pelos plásticos descartáveis, que afecta gravemente a nossa saúde e o nosso ambiente, tem solução, mas é a indústria que produz, embala e distribui esses recipientes que está a fazer tudo o que pode nos bastidores para que nada seja feito para reduzir essa ameaça”, referem as organizações num comunicado que acompanha o relatório.

De acordo com o documento, não só falharam iniciativas voluntárias para combater o desperdício de plástico, como têm sido usadas “como táctica para atrasar e obstruir legislação progressista”, enquanto se procura “distrair os consumidores e governos” com “promessas vazias e falsas soluções”.

Sob o título Talking Trash — Manual sobre falsas soluções das empresas para a crise do plástico, o relatório aponta como os 10 maiores poluidores de plástico do mundo a Coca-Cola, a Colgate-Palmolive, a Danone, a Mars Incorporated, Mondelez International, a Nestlé, a PepsiCo, a Perfetti Van Melle, a Procter & Gamble e a Unilever, com “uma pegada plástica conjunta de quase 10 milhões de toneladas por ano”.

“Assumem compromissos públicos de reciclagem com objectivos quantificáveis, os quais não cumprem e reformulam ou, então, focam o discurso em soluções falsas ou não comprovadas que também envolvem outros problemas ambientais (alternativas supostamente biodegradáveis ou compostáveis, reciclagem química)”, frisam os autores do estudo.

Como exemplo, citam a Coca-Cola, referindo que “está comprometida, de alguma forma, com dez iniciativas voluntárias para resolver o problema dos resíduos de plástico, enquanto faz parte de, pelo menos, sete associações comerciais que têm feito lobby contra a adopção de sistemas de depósito ou outra legislação para regulamentar o uso de plástico descartável”.

Segundo o relatório, nos 40 países e regiões do mundo onde as embalagens de bebidas podem ser devolvidas à loja (através de sistemas de depósito com retorno, como o que irá ser lançado em Portugal a partir de Janeiro de 2022), 90% de todas as embalagens de bebidas são reaproveitadas e/ou convertidas em novas embalagens, em vez de serem abandonadas, colocadas em aterro ou incineradas.

Para Renata Fleck, da Sciaena, citada no comunicado, o relatório mostra “a hipocrisia das grandes empresas” que, por um lado, afirmam estar comprometidas com soluções, mas, por outro, “usam truques” para perpetuar “a sociedade descartável”. A Zero entende que “já não há tempo para as falsas soluções ou promessas”: “Ou se aposta de vez em soluções de redução e reutilização ou os danos no ambiente podem ser irreversíveis.”

Além de uma extensa lista de situações destinadas a ludibriar os consumidores, que passam pela apropriação da crise sanitária e económica provocada pela pandemia de covid-19, o relatório contém propostas, face a um cenário em que se espera a duplicação das embalagens de plástico nos próximos 10 a 15 anos. Estas propostas passam por legislação que exija a recolha selectiva de, pelo menos, 90% dos resíduos plásticos e sistemas de depósito com retorno obrigatórios, objetivos de reutilização e outros mecanismos que promovam a reutilização e o reenchimento como opção prioritária e metas de conteúdo mínimo de material reciclado.

O relatório é ilustrado com imagens de resíduos de plástico e dos malefícios causados aos oceanos e aos animais marinhos, entre outras situações que decorrem da acumulação destes detritos.

“Apesar de a indústria ter passado anos a distrair, atrasar e obstruir legislação, no início de 2020 parecia que a maré de poluição de plásticos tinha começado a mudar, com governos da Europa a África a introduzirem leis que proíbem certos produtos de plástico de utilização única, implementando sistemas de depósitos e retorno de embalagens e obrigando os produtores a assumir a responsabilidade pelos seus resíduos (...). No entanto, desde o início da pandemia de covid-19, os produtores de plásticos têm-se apoiado na crise” para fazer reverter estas medidas, denunciam os autores do estudo.

Estados Unidos, Escócia, Áustria, Espanha, República Checa, França, China, Japão, Uruguai, Bolívia e Quénia são alguns dos países citados no relatório.

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