Golpe na evolução desportiva é maior ameaça para o futuro do Águas Santas

Clube dedicado quase exclusivamente à formação de valores como Luís Frade - o “melhor jovem” do mundo -, teme que o preço de um ano de paragem seja demasiado alto para muitos andebolistas que podem perder-se para o desporto.

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Nelson Garrido

Apesar da incerteza e ansiedade, face ao adiamento sine die da competição dos escalões jovens, sentimentos que ninguém disfarça na Associação Atlética de Águas Santas, o clube maiato está empenhado em criar um ambiente seguro. Tanto no cumprimento consciencioso das orientações e normas da Direcção-Geral da Saúde, como na adequação a uma nova forma de treino, sempre na esperança de impedir um retrocesso de consequências imprevisíveis na evolução dos atletas, assumidamente a grande prioridade e responsabilidade dos responsáveis do clube.

Sem pretender minimizar o impacto e os efeitos óbvios da crise financeira, agravada pela pandemia, o que mais parece afectar o clube – que se posiciona entre os mais dedicados à formação, com cerca de duas centenas de jovens distribuídos pelos diferentes escalões, dos cinco anos até aos juniores –, é a incerteza que paira sobre o futuro dos atletas.

“Antes dos problemas de tesouraria, está o aspecto desportivo”, sublinha Manuel Cruz, vice-presidente do Águas Santas, preocupado com o grande desígnio de um clube que vive para a formação e que recentemente viu Luís Frade, um dos “filhos” pródigos que rumou ao Barcelona, atingir os mais altos patamares internacionais: melhor pivô do Mundial de sub-19 (Geórgia2017); melhor pivô do Europeu de sub-20 (Eslovénia2018); melhor pivô do Mundial de sub-21 (Espanha2019) e, segundo o site "Handball Planet”, melhor jovem do mundo.

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Depois de três meses de paragem e dois de adiamento, sem treinos nem receitas, a boa notícia é a de que não houve qualquer manifestação no sentido de cancelar inscrições por parte dos atletas. O que não pode, contudo, ser dado como algo adquirido. Na inversa, há até novos atletas a chegarem ao clube para iniciarem a prática desportiva.

Apesar deste cenário, aparentemente normal, haverá danos colaterais: “Por muito que possamos fazer, há miúdos que se vão perder para o andebol. Há consequências quando, nestas idades, há um ano de paragem. Vamos pagar tudo isto. A dificuldade é saber quanto vai custar”, lamenta Manuel Cruz, referindo-se apenas ao preço de uma interrupção sem precedentes em termos desportivos.

Visão que os treinadores procuram contrariar, mesmo que não possuam uma varinha mágica. 

“O confinamento teve um efeito tremendo nos miúdos, que já não suportam estar mais tempo enclausurados. É curioso, mas dá a ideia de que se fartaram das rotinas que os afastavam do desporto, das consolas, dos telemóveis, das redes sociais. Sente-se que precisam de estar e de conviver uns com os outros, mesmo com as limitações que enfrentamos, de não podermos usar os balneários, o que retira uma parte importante da socialização”, destaca Eduardo Ferreira, coordenador da formação do Águas Santas, antigo pivô do clube que representou ainda clubes como o Francisco de Holanda, FC Porto e ABC.

Mas é precisamente aí que as dificuldades começam. Neste momento, com todas as restrições impostas pela DGS e validadas pela federação, o clube não pode oferecer muito mais do que uma espécie de complemento às aulas de educação física do ensino público. Sem competição e sem a possibilidade de treinarem todas as vertentes de uma modalidade com forte componente de contacto físico. A partir daí, todo o processo de planeamento indispensável para a evolução e crescimento dos atletas fica cerceado, criando ansiedade e desmotivação nos jovens e algum sentimento de impotência nos próprios treinadores.

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E esse parece ser o grande inimigo nesta fase, mais do que o fantasma de insolvência, que não pode ser menosprezado.

“Em 2007 e 2008 vivemos uma crise financeira, com muitas famílias a não terem recursos suficientes para poderem proporcionar uma actividade desportiva aos filhos. O clube foi solidário e criou formas de contornar os problemas. Mas hoje não enfrentamos apenas uma crise económica. Há uma ameaça à saúde pública e o medo inerente a uma pandemia. E isso é pior do que a falta de recursos. Os portugueses são hábeis a improvisar quando falta material, mas esta situação é totalmente diferente. Ninguém sabe o que será o dia seguinte. A realidade está em constante mutação e exige respostas e uma adaptação rápida, mesmo que num dia nos digam que é obrigatório usar máscara e no dia seguinte já seja facultativo ou desaconselhável”, sustenta Manuel Cruz, ainda às voltas com os regulamentos.

“Enquanto pai, não sei como reagiria perante um caso positivo no clube. O Águas Santas tem pavilhão próprio, que não aluga. Mas isso não impede o vírus de entrar”.

Tanto na formação como nos seniores, o clube tem atletas de diferentes concelhos, como Matosinhos, Maia, Valongo ou Gondomar, para não mencionar Guimarães. Isso pode ter implicações caso se registe um surto, limitando a actividade diária e tornando o planeamento num exercício de física quântica.

“Em condições normais, elaborar um mapa de treinos que comportasse todas as equipas no mesmo espaço já representava um desafio, que os clubes conseguem resolver partilhando o pavilhão, optimizando um calendário complicado. Neste momento, isso não é possível. E, para agravar a situação, ninguém conhece os horários escolares, a que teremos de nos ajustar”, alerta Eduardo Ferreira, ciente de que só reduzindo a carga horária será possível continuar, até porque entre treinos é preciso higienizar todo o espaço e material.

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“Em vez de treinarmos quatro vezes por semana, temos de restringir-nos a duas sessões. Em vez de seis horas, passar para duas. Isso implica uma redução drástica da carga numa fase em que os atletas estão em crescimento e desenvolvimento”, insiste Manuel Cruz, temendo pelo futuro desportivo.

“São anos de trabalho que estão em causa”, adverte, tentando antecipar um possível cancelamento da competição.

“É preciso fazer alguma coisa. Os treinadores não têm respostas, por mais versáteis e criativos que sejam. Isto não é andebol, é mais parecido com atletismo. No início até podia ter uma certa piada, mas agora começa a pesar”, lastima, passando a bola a Eduardo Ferreira, que tenta todas as estratégias para mobilizar os atletas.

“Tentamos camuflar o facto de não haver competição. Mas o treino só se justifica quando há um objectivo competitivo. Estamos a atrasar os ciclos, mas as dificuldades são enormes. A evolução para e isso não se recupera facilmente. Além disso, temos que encontrar respostas para dar aos pais. Há muitas questões e, sobretudo, receio. Tentamos sempre transmitir alguma tranquilidade e confiança. Mas, no final, basta um caso para comprometer todo o nosso esforço”.

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