O potencial geopolítico do TikTok visto por um Gen Z

As enxaquecas provocadas pelo TikTok atingiram agora os mais altos decisores políticos a cargo das relações entre as duas maiores potências mundiais.

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Reuters/Florence Lo

TikTok, a aplicação de partilha de curtos vídeos musicais exiguamente coreografados, pequenos sketches de humor e lipsync à Lagardère dispensa apresentações. Esta nova plataforma, que nos presenteia com entretenimento ad infinitum, cresceu exponencialmente durante o confinamento, em particular entre adolescentes e jovens. Com a criatividade dos mais novos vieram também as intermináveis repetições dos mesmos trechos sonoros, responsáveis por dores de cabeça indesejadas e graves convulsões no seio dos agregados familiares.

Contudo, as dores de cabeça não chegaram somente para progenitores que inocentemente carregam o fardo de terem perfilhado uma e-girl ou um e-boy talentoso. As enxaquecas provocadas pelo TikTok atingiram agora os mais altos decisores políticos a cargo das relações entre as duas maiores potências mundiais. Como um dos primogénitos da geração Z, a responsável incontestável por este cataclismo da geopolítica contemporânea, senti-me obrigado a pronunciar-me.

No passado dia 31 de Julho, o Presidente Trump comunicou a possibilidade de banir por completo a actividade do TikTok nos Estados Unidos através de uma ordem executiva, caso as operações da empresa em solo americano não sejam vendidas até 15 de Setembro, evocando motivos de segurança nacional. Entretanto, a Microsoft já se posicionou como principal candidata à compra. As reacções não demoraram a surgir, tanto da parte de famosos tiktokers, como de fãs exasperados.

É difícil considerar que tais receios relativos à segurança estejam completamente desprovidos de legitimidade. Afinal, o cadastro do Partido Comunista Chinês no que diz respeito à colheita e armazenamento de informações acerca dos próprios cidadãos não é o melhor. O certo é que longe vão os tempos em que a China podia ser tida em conta como um potencial parceiro. A velha política de integração na ordem internacional liberal através da liberdade económica foi descartada e denunciada como ambição naif dos tempos do “fim da História”. Existem, portanto, três desfechos possíveis para a questão do TikTok e que, por mais peculiar que pareça, nos podem dar pistas para o futuro da rivalidade sistémica sino-americana. Nomeadamente, pelo surgimento de uma nova “guerra tecnológica”.

O primeiro cenário consiste na interdição ao uso do TikTok nos Estados Unidos, devido à incapacidade por parte de corporações americanas de chegarem a um acordo para a compra das operações da plataforma chinesa nos EUA. Este desfecho traduzir-se-ia num reforço da posição de dureza e pouca transigência de Trump nas relações com a China, em concordância com o que tem defendido ao longo do mandato.

Haverá, certamente, uma parte considerável do seu eleitorado que receberá de bom agrado esta forma mais agressiva de lidar com a potência desafiante. Inclusivamente, foi sob um programa assente no proteccionismo nacionalista e isolacionismo internacional que Trump conquistou um sólido apoio entre os “perdedores da globalização”, e uma interdição deste tipo para com uma potencial arma do maior rival externo vai ao encontro com o referido ideário. Por outro lado, eventuais indecisos, tidos como eleitores decisivos, poderão ver com maus olhos o facto de terem sido privados do seu meio predilecto para assistir a vídeos de gatinhos engraçados. 

Já o segundo cenário passaria muito provavelmente pela aquisição das operações americanas do TikTok pela Microsoft. O prazo é curto e a gigante tecnológica tem de ter em conta hipotéticas pressões da administração Trump, avanços de outros possíveis compradores e ainda as esperadas ameaças vindas de Pequim. As consequências desta solução serão, talvez, as mais favoráveis para o Presidente americano, visto que esta resolve as ameaças à segurança nacional impostas pela app, satisfazendo o seu eleitorado base de que receia interferências externas, enquanto simultaneamente evita uma maré de indignação pela interdição do acesso ao TikTok. No entanto, olhando para ambos os cenários através do prisma da política externa, encontramos as suas principais deficiências. É certo que em ambos os desfechos a China retaliará, contribuindo para a nova guerra tecnológica, complementar às actuais disputas comerciais. 

Por último, o terceiro cenário a ter em consideração, ainda que o mais improvável, trata-se da manutenção, pelo menos até às eleições presidenciais, do status quo respeitante à actividade do TikTok nos EUA. Depois de tantos esforços gorados do criador da app, Zhang Yiming, para evitar este desfecho, parece-me quase descartável. Mas se houve alguma constância na presidência de Trump, foi a sua imprevisibilidade. Independentemente do desenlace, temos de nos consciencializar de que a política externa deve assentar num equilíbrio entre poder e legitimidade. Não há dúvidas que os EUA detêm uma vantagem inigualável em parâmetros de poder, mas no que toca à legitimidade esta administração tem feito de tudo para a dizimar. 

As ferramentas que a Internet aberta e o mundo globalizado proporcionam à expansão do soft power das democracias ocidentais já demonstraram, precisamente com Trump, possuir um lado perverso. Se descurarmos por completo a legitimidade interna sobrante, temo que, à medida que as tensões escalam e que nos encaminhamos cada vez mais rumo a um novo confronto entre superpotências, sejam os jovens do mundo livre a surripiar as suas trends ao mundo autoritário.

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